domingo, 21 de agosto de 2016

Ilha Terceira. Na intimidade de Vitorino Nemésio





Lápide assinala a Casa, à direita



Açores novamente, nunca cansam.  Para conversarmos não faltarão assuntos, tanto mais  que uma das nossas companheiras do Grupo também por lá passou  umas semanas. 
Contar as nossas viagens recentes pode ser um desafio para a escrita. Nada nos obriga a insistir na  reconstituição de memórias distantes. E para que servem as memórias meio delidas?

Na  Praia da Vitória, voltámos à casa de Vitorino Nemésio. Não a das "Tias", onde se aloja a Biblioteca, mas a "Casa da Parteira". Ali foi assistido o nascimento e permaneceram   mãe e  criança, durante os primeiros tempos de vida.

Pelo que nos disseram, a debilidade do bebé levou a mãe a pedir auxílio ao Espírito Santo, e desse voto ficou a coroa. Sim, não é  diferente de outras que aparecem nas festividades. 



Entretanto, não se afigurou  enriquecimento do espólio da casa nem da respetiva  interpretação, desde a última visita, em 2014. É pena!  Projetos, ideias... não faltam!

Quando se poderão adquirir ali as obras do e sobre o Autor?

  Considerem, então,  caros Vizinhos do Livro, o poema Retrato. Quem quer lê-lo na próxima sessão? 


Aproveitem, também, para dar uma mirada na  cozinha.

Alcatra, na boca do forno

A alcatra sobre a mesa   

Canto do lavatório


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

O negrilho? Leia-se o poema!



O negrilho de Miguei Torga, em 1984




Na terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.

Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!


Miguel Torga, in
Diário (VII), 1956
,


No largo do Eirô, coração de S. Martinho de Anta, encontrámos apenas um  tronco descorticado.

Fora aquilo  o negrilho do Torga? Sua árvore confidente.

Paro, para rever  árvores-conversadas da minha mocidade: a nespereira-navio, proa  de tantas viagens, cada tardinha,  no regresso das primeiras classes; a figueira-dos-lampos donde uma queda me levou o primeiro dente; a oliveira-da-mulher, cujo nome se recusavam a explicar-me, devido á minha tenra idade… Quantas fantasias engendrei até chegar à chave daquele enigma: porquê da mulher? Árvores  namoradas, que isto mesmo são. Para não falar do cedro…

O negrilho? Dias antes, num lugarejo de Resende, o agricultor e artesão que  vendia brezas, garantia que o fecho de tais cabazes, encordoados  em  palha centeia e casca de silva, continua a ser, conforme a tradição, em madeira de negrilho. Ulmeiro! Duvidei.

E, antes de nova deriva,  ocorre-me o abate do ulmeiro no largo da Achada, em Lisboa.  Também centenar, ou quase. Resistira a secas, às obras camarárias. Resistiu à praga dos da sua espécie. Num jornaleco do bairro, surgiu um apelo: "Cuidem do ulmeiro da Achada!" Foi um acordar de moscas: não tardou  a brigada da motosserra. Vítor Maçariku, vizinho da Casa da Achada - Centro Mário Dionísio – , filmou com  desgosto. E pouco lhe sobreviveu. Para que serve a memória, Vítor? – perguntam os que ficaram.

E já me perco  pela  abertura de A jangada de pedra. Não sabias tu, Joana Carda dos poderes mágicos da tua vara de negrilho? Como não?!

E com istofalta falar do negrilho de Miguel Torga.

Assim o encontrámos, em junho de 2016

Roubado dos ramos que lhe arquitetavam a dignidade de bosque, elevando-o acima dos telhados. Dali, partiam  pássaros e chilreios. Ouvia-os o menino poeta, despertando no seu quarto. Iam distraí-lo  no seu banco de escola, a dois passos do largo do Eirô.

 Onde fazem hoje os seus ninhos?
E o tempo?  Soberano implacável, encarregou  o carrasco grafiose de punir  tamanha insolência vegetal. Como se arrogava uma árvore a ter intimidades com as luzes do céu e os desvarios de um poeta?

Deixemos a ruína.  Apetecível braseiro, em friorento inverno, pensará um prosaico observador. Por que me dão estes repentes, em tarde  tórrida?

Finitude da cinza ou frustrações incendiárias?

 Resta-me confiar nas medidas redentoras da direção do Museu de Miguel Torga, em Sabrosa. Que um museu é sempre um paliativo, no tragadouro do tempo.

Vamo-nos  embora. O sol castiga. Sede. Onde há um café?  Quantas garrafas de água fresca?

Obrigado, companheiros de peregrinação. Não queremos que isto seja  o fim, não.

 Joaquim Beja

 Observações: Escrito também  a pensar nos meus amigos Vizinhos do Livro, visitantes fiéis deste espaço.
 
Referências:

http://dias-com-arvores.blogspot.pt/2006/04/um-negrilho.html

http://www.sabrosa.pt/cultura/espacos/index.php?idioma=pt&action=getDetalhe&id=2





sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Da Régua a S. Martinho de Anta

Não me censurem pelas delongas, Vizinhos leitores, que a pecha está-me no sangue; de vagaroso nunca passei, disso me caprichando, depois de ler o  romance Slow Man de J. M. Coetzee. Vem isto a propósito? Deste lapso, sem  a prometida crónica, desde o regresso do Douro.
Amigos de Coimbra, no Douro. Ao fundo a cidade da Régua

Mais de um  mês volvido não se me apagaram as imagens da Galafura.  Miradouro devoto de barqueiros antigos, donde Torga viu um "mar de mosto", mas demorou mais de vinte anos, até dar vida à ideia. Ali estamos - a Manuela, o Avelino, a Filomena e este que vos conta -  levados pelo Zé Manel, partilhando do   amor daquele amigo pela escrita do poeta. 
 Quando, na torreira  da meia tarde, chegámos às sombras  da capela de S. Leonardo,  e os olhares se cruzaram perplexos sobre como falar da vastidão rio-montanha, o nosso guia abriu a mala do carro, donde sacou prosa e poesia do seu escritor. Que não nos perdêssemos em ruídos, ouvíssemos o que nos trouxera de Lamego.

O Zé Manel ( Pereira de Melo) tinha ali todo o Torga
Acompanhámos o rapazinho Adolfo, pobre e rústico a caminho do seminário; as vicissitudes de quem, fechado na estranheza de uma escola, se interroga sobre a perda da  liberdade dos dias passados  entre a casa paterna,  o largo do Eiro , as ruelas  e fráguas  de redor. Relembrámos, entre verdura e céu, a justa de uma vida : Torga e o Outro. Quem és tu? Onde estás?

Filomena distraía na  Ciência  a ideia de finitude  que nos ia invadindo. "Finitude" foi   palavra com que a Manuela, dias mais tarde, haveria de legendar aquele  momento. Irrepetível.
Entretanto, o Avelino despertava da sesta salutar e costumeira. Abençoado! Que bicho nos mordera? E o Zé Manel repetiu-lhe as leituras.

Não abandonámos o local sem procurar o poema aos pés do santo,  na parede da capela.







Será que alguma vez mais ali nos encontraremos?



E seguimos,  em busca do Negrilho.