domingo, 7 de junho de 2015

Gérald Bloncourt na Achada - Visita de estudo


Eterna Juventude
Gérald Bloncourt, foto André Beja

Desmontada a exposição de fotos de Gérald Bloncourt, na Casa da Achada - Centro Mário Dionísio, resta-nos a satisfação de termos lá estado e apreciado parte representativa  deste artista, amigo e admirador do nosso povo.
Em  "visita de estudo", alguém disse, conclusiva das atividades deste  quarto ano de leitura dos Vizinhos do Livro.  Não faltarão oportunidades de continuarmos o prazer do convívio à roda dos livros. Tudo indica que a produção de textos associados à diversidade das matérias abordadas prove  que não nos vamos conformar com a passiva atitude de só-leitores. Tanto mais que temos entre nós pessoas com gosto e facilidade na escrita.
Sobre Bloncourt e o nosso encontro, regista-se  o relato da colega  Elvira Carvalho que, primeiro do que qualquer um de nós, deu voz ao olhar do mestre e soube contar as nossas andanças pela encosta de S. Cristóvão.
A autora vai mesmo além do desafio inicial, ao mencionar com discrição e promessa de algum humor, uma historieta, vinda a conto sob a  nespereira do jardim da casa da Achada. Questão de produção leiteira, e por aqui me fico, Até quando Elvira, retomando o assunto, nos reproduza - e por que não em parceria com a narradora-participante? - o episódio. Bem vistas as coisas, leite e leitura são alimentos indissociáveis da vida.
 Visita de estudo ao Centro Mário Dionísio


Acordei e veio-me à memória a visita de estudo que fizéramos no dia anterior, 23 de Maio, ao Centro Mário Dionísio, na rua da Achada, centro que é fruto do 25 de Abril de 74.

Sem me ser encomendado o “sermão”, resolvi fazer uma pequena e simples dissertação entre o sério e o burlesco.


Reunimo-nos, às 14h, com o nosso vizinho coordenador do Clube de Leitura,  Joaquim Beja, e caminhámos até à estação de comboio. Já na plataforma, vimos o “gigante” surgir ao longe e, tenho quase a certeza que ele, ao ver um grupo, pensou e até resmungou com o maquinista:


- Vês? Ora ali está, ao fundo, um pequeno magote de jovens! Que bom! Adoro transportar gente nova!


Os olhos da máquina pestanejaram ao aproximar-se e estacou:

- Jovens? Mas isto é um grupo de velhotes! A minha vontade é não lhes abrir as portas…
Mas o grupo lá entrou, ruidoso, alegre, conversador e procurou lugares vagos entre jovens com auscultadores nos ouvidos e olhos semicerrados, pessoas dormitando reclinadas no banco, de bocas abertas, sonhando, talvez com as próximas férias.
A algaraviada do nosso grupo entrecortava-se com os latidos de um assustadiço canídeo, que se via atarantado no meio dos passageiros.
Chegados ao Rossio, iniciámos a etapa até à Mouraria. Pelo caminho, o nosso coordenador ia-nos elucidando sobre os vários factos dignos de nota, que iam surgindo.
Por fim, parámos em frente à Casa da Achada. Aí tivemos imenso prazer de ver “in loco” fotografias tiradas pelo fotógrafo Gérald Blencourt.
Este artista nasceu no sul do Haiti. Filho de pai guadalupense e mãe francesa de origem italiana, desde miúdo se apercebeu das enormes desigualdades sociais existentes em Jacqmel, para onde foram deslocados, após enorme ciclone que devastou a região onde, anteriormente, habitava. O próprio pai chegou a ser preso por resistir à ocupação americana.
Foi aí que, pela primeira vez, tomou conhecimento de certos navegadores como Cristóvão Colombo e Vasco da Gama e, por tal, da existência de um pequeno país chamado Portugal.
Posteriormente, em França. Já jornalista, apercebeu-se que a fotografia era um meio relevante e incontestável para poder denunciar a sociedade injusta e racista que minava esses tempos.
Mais tarde, ao ter conhecimento que, em Lisboa, estalara a revolução de 25 de Abril, deslocou-se imediatamente à nossa capital e captou, com a sua objectiva, momentos inolvidáveis desse dia memorável, assim como do 1º de Maio. Foram algumas dessas fotografias que tivemos o prazer de observar no Centro Mário Dionísio: homens e mulheres de punho cerrado, erguendo os cravos vermelhos, símbolos da liberdade, desfilando pelas ruas, talvez cantando “Grândola, Vila Morena”; outros, marchando pelas avenidas com cartazes, onde escreveram palavras chave contra o governo deposto e exigindo reformas no trabalho e na sociedade; muros com frases que, antes desse dia de liberdade, nunca sonháramos poder ler.
Juntamente com essas fotografias, observámos algumas bastante chocantes de degradados bairros de lata, nos arredores de Paris. A objectiva de Gérald Bloncourt apanhou também semblantes de mulheres e crianças onde se reflectia a desesperança de um mundo melhor: caras tristes, olhos desolados, atemorizados e fixos na máquina mais que real do famoso fotógrafo.
Feita a visita, iniciámos o regresso, não sem antes passarmos no “Celeiro”, onde lanchámos. Chegámos a Rio de Mouro. Imbuídos no espírito da liberdade do 25 de Abril de 74, o nosso grupo, também de punho cerrado, mas sem cravo vermelho, vem clamar ao nosso coordenador uma reivindicação:
É que, na próxima visita de estudo, não se “atreva” a levar a “vaca leiteira” no nosso grupo!!! Cada macaco no seu galho, como soe dizer-se. Assim, os “intelectuais” nas visitas de estudo e a “vaca leiteira” na Maternidade Alfredo da Costa…
- Mas que arrazoado é este? – pensam alguns ao ler isto.
Pois, é um segredo do nosso grupinho do Clube de Leitura!
Meus amigos, chegámos ao final do ano lectivo, com muita pena nossa.
Boas férias, leiam muito e divirtam-se!!!
Beijinhos para todos do Clube de Leitura. "

Elvira Carvalho


Para mais conhecimentos sobre a fotografia e personalidade de Gérald Bloncourt:

http://bloncourtblog.net/2014/07/l-immigration-portugaise.HTML



Nota explicativa:

Só agora, 6 de agosto,  foi possível obter as fotos, que muito agradecemos, tiradas pela nossa colega Andreia.  A escolha editorial foi determinada   pela visualização de todos os participantes na visita. Há todavia uma presença excessiva, como devem concordar. E lamenta-se que o rosto da nossa fotógrafa não nos acompanhe.

Boas férias e boas leituras

JB