domingo, 10 de julho de 2016

Pelo Douro de Torga


Douro, visto do alto de Galafura

Quiseram, mais uma vez,  amigos das margens do Douro levar-nos, a mim e à Filomena,  em passeio pelas suas encostas de luxuriantes vinhedos, no último solstício.
Que terá  isto a ver com os Vizinhos do Livro, modesto coletivo de leitores da nossa Associação de Reformados, no concelho de Sintra? Pois vos respondo, companheiros.
Poucos dias antes, e já à beira-rio,  recebera eu um simpático convite do  nosso presidente, para um cruzeiro, dentro do programa das atividades associativas.
 Declinei por duas razões: lamentável incompatibilidade de agenda; mas, sobretudo, pela firme certeza de que estas lotadas excursões  não serão a melhor maneira de por ali se viajar. Sobretudo se se quiser considerar toda a beleza paisagística daquele "Reino Maravilhoso".
 Explicando.
Ainda não me sinto recuperado do desaire de ter
subido, da Régua ao Pinhão,  em ruidosa expedição de  espantados e bebidos estrangeiros, debaixo de  saraivadas multilingues de informação  que  a ninguém aproveitava; para já não falar do fundo musical pimba... E das tantas perguntas que as minorias curiosas deixaram por fazer, por dúvidas quanto à capacidade de  resposta de quem ali devia cuidar da componente cultural.
 Práticas correntes no turismo de massas.
Faço votos, senhor presidente e prezados amigos da Associação  de Reformados de Rio de Mouro, para que melhor sorte vos acompanhe na vossa navegação.
Entretanto, permitam-me a sugestão de lerem algumas páginas de Torga, antes do embarque.
Miguel Torga marcou a diferença nesta minha última passagem pela região. Hei de contar. Havemos de desfrutar, nas próximas sessões de leitura do nosso Grupo, textos vindimados pelo poeta de S. Martinho de Anta, na paisagem duriense. 
De qualquer modo, obrigado pelo convite, senhor Presidente. Bom passeio.

Joaquim Beja

domingo, 3 de julho de 2016

Os Comediantes





Vou falar sobre a minha terra, os comediantes, que foi lá que apareciam, quando eu era pequena. A minha terra, uma aldeia, não tinha luz [eléctrica] nem água canalizada, quando eu era pequenita. Em termos de lazer, nada existia e as pessoas, na sua maioria, tiravam o sustento da agricultura.
Acontecia porém que, de vez em quando, apareciam por lá uns grupinhos, a que se chamavam os comediantes, e que vinham alegrar a monotonia da aldeia. O chefe do grupo, com um tambor e um grande funil virado ao contrário, anunciava à população o espectáculo que ele e o seu grupo iam fazer, em determinado sítio da aldeia, ao início da noite.
O povo, quase na totalidade, ia ver o espectáculo. Era sempre no grande largo. Os pais levavam os filhos, que ficavam à sua frente, e assim todos assistiam. Os artistas actuavam no meio, e todos assistiam à volta. Cantavam, dançavam, faziam ginástica e num ou noutro grupo até faziam números de trapézio. Todos batiam palmas. No fim, estendendo o chapéu, alguns dos comediantes pediam à população que desse a contribuição para o trabalho executado. Pagavam-lhes em moedas, brancas e pretas, cada um conforme sua generosidade.
Nós as crianças - ávidas por aprender a imitá-los nas nossas ruas, no recreio da escola – muito felizes. Eles passavam lá algum tempo, depois iam embora.
Recordo que eu e outra amiguinha da minha idade, na rua dela, que era uma travessa, aos domingos à tarde, cantávamos e dançávamos o que tínhamos aprendido com os comediantes, e outras coisas que já sabíamos. Começavam a juntar-se vizinhas que aplaudiam.
Elas gostavam e nós adorávamos, pois cada domingo a assistência ia aumentando, o que nos enchia de orgulho.
Entre outras, havia uma parte de que me estou a lembrar, que era o “baptizado da boneca”.
         Repito:

«Não sabem nada?
É hoje o baptizado da minha boneca
Dizem que ela é careca por ter um olho estourado
Há-de levar um vestidinho todo com folhos à roda.
Tem também uns sapatinhos com feitio todo da moda.
Tem ainda um chapéuzinho que é da cor da cereja.
Oh!!! Há-de levar um beijinho quando for para a igreja.

Agora padrinhos, padrinho é que ela não tem…
Fui falar com a mamã, não está para me aturar:
Anda toda atarefada com a boda que há-de dar.

Ninguém quer ser o padrinho, só por ela ser careca!
Vossa Ex.ª faz favor de baptizar a minha boneca?»

Havia uma senhora professora que gostava imenso destas coisas, que respondia:

«Sim senhor e vai chamar-se Maria Helena.»

E estas coisas nos deixavam muito felizes.
Mas, apesar de a minha terra ser pobre em termos de lazer, era muito rica em calor humano. As pessoas casavam lá, tinham os seus filhos que ficavam rodeados de toda a família, de forma que havia um aconchego muito grande que nada tem a ver com a frieza e a distância que hoje vemos.
Enfim, bons tempos que vão e não voltam, como se dizia por lá.

Maria José Afonso Quarenta

NB:  As desculpas à Maria José, pela demora na publicação. Espero que, em férias com a família,  encontre neste texto tudo o que nos quis comunicar.
Sobre os bonecos da nossa infância, ainda se aguardam novas apresentações.  
J B.