O negrilho de Miguei Torga, em 1984 |
Na
terra onde nasci há um só poeta
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
Miguel Torga, in Diário (VII), 1956
,
E já me perco pela abertura de A jangada de pedra. Não sabias tu, Joana Carda dos poderes mágicos da
tua vara de negrilho? Como não?!
E com isto, falta falar do negrilho de Miguel
Torga.
Roubado
dos ramos que lhe arquitetavam a dignidade de bosque, elevando-o acima dos
telhados. Dali, partiam pássaros e
chilreios. Ouvia-os o menino poeta, despertando no seu quarto. Iam distraí-lo no seu banco de escola, a dois passos do largo
do Eirô.
Referências:
http://dias-com-arvores.blogspot.pt/2006/04/um-negrilho.html
http://www.sabrosa.pt/cultura/espacos/index.php?idioma=pt&action=getDetalhe&id=2
Os meus versos são folhas dos seus ramos.
Quando chego de longe e conversamos,
É ele que me revela o mundo visitado.
Desce a noite do céu, ergue-se a madrugada,
E a luz do sol aceso ou apagado
É nos seus olhos que se vê pousada.
Esse poeta és tu, mestre da inquietação
Serena!
Tu, imortal avena
Que harmonizas o vento e adormeces o imenso
Redil de estrelas ao luar maninho.
Tu, gigante a sonhar, bosque suspenso
Onde os pássaros e o tempo fazem ninho!
Miguel Torga, in Diário (VII), 1956
,
No largo do Eirô, coração de S. Martinho de Anta,
encontrámos apenas um tronco
descorticado.
Fora aquilo o negrilho do Torga? Sua árvore confidente.
Paro, para rever
árvores-conversadas da minha mocidade: a nespereira-navio, proa de
tantas viagens, cada tardinha, no regresso
das primeiras classes; a figueira-dos-lampos
donde uma queda me levou o primeiro dente; a oliveira-da-mulher, cujo nome se recusavam a explicar-me, devido á
minha tenra idade… Quantas fantasias engendrei até chegar à chave daquele
enigma: porquê da mulher? Árvores namoradas, que isto mesmo são. Para não falar
do cedro…
O negrilho? Dias antes, num lugarejo
de Resende, o agricultor e artesão que vendia brezas, garantia que o fecho de tais cabazes, encordoados em
palha centeia e casca de silva, continua a ser, conforme a tradição, em madeira de
negrilho. Ulmeiro! Duvidei.
E, antes de nova deriva, ocorre-me o abate do ulmeiro no largo da
Achada, em Lisboa. Também centenar, ou quase. Resistira a secas, às obras
camarárias. Resistiu à praga dos da sua espécie. Num jornaleco do bairro,
surgiu um apelo: "Cuidem do ulmeiro da Achada!" Foi um acordar de moscas: não
tardou a brigada da motosserra. Vítor
Maçariku, vizinho da Casa da Achada - Centro Mário Dionísio – , filmou com desgosto. E pouco lhe sobreviveu. Para que
serve a memória, Vítor? – perguntam os que ficaram.
Assim o encontrámos, em junho de 2016 |
Onde fazem hoje os seus ninhos?
E o tempo? Soberano implacável, encarregou o carrasco grafiose de punir tamanha
insolência vegetal. Como se arrogava uma árvore a ter intimidades com as luzes
do céu e os desvarios de um poeta?
Deixemos a ruína. Apetecível braseiro, em friorento inverno,
pensará um prosaico observador. Por que me dão estes repentes, em tarde tórrida?
Finitude da cinza ou frustrações
incendiárias?
Resta-me confiar nas medidas redentoras da direção
do Museu de Miguel Torga, em Sabrosa. Que um museu é sempre um paliativo, no
tragadouro do tempo.
Vamo-nos embora. O sol castiga. Sede. Onde há um café?
Quantas garrafas de água fresca?
Obrigado, companheiros de peregrinação. Não queremos
que isto seja o fim, não.
Joaquim Beja
Observações: Escrito também a pensar nos meus amigos Vizinhos do Livro, visitantes fiéis deste espaço.Joaquim Beja
Referências:
http://dias-com-arvores.blogspot.pt/2006/04/um-negrilho.html
http://www.sabrosa.pt/cultura/espacos/index.php?idioma=pt&action=getDetalhe&id=2
Sem comentários:
Enviar um comentário