quarta-feira, 28 de agosto de 2013

De Rio de Mouro à Mouraria


 Exposição de pintura na Casa da Achada


Ver, de olhar aberto e interrogativo, não é coisa para qualquer um. Nem nos custa admitir que não aprendemos a observar uma pintura de arte. Ficamo-nos pelos afectos.

Afinal, todos os dias, incontáveis espreitadores do Facebook, na sua maioria com muito mais juventude e escolaridade do que nós, se ficam pelo mesmo gosto/não gosto, ou como se diria isso em inglês.

Desta vez fomos de visita pela Mouraria, “ as suas ruas e escadinhas estreitas, com os seus murais” a pretexto de conhecer a Casa da Achada-Centro Mário Dionísio. Descobrindo, assim, sítios, dois pintores – Mário Dionísio e José Júlio - e ainda um tenaz projecto de vida cultural.
Quem é que com a nossa disponibilidade, mesmo que cada vez mais limitada, de terceira idade, não sente o pezinho a pular para uma volta com os vizinhos?

Não com todos, já se vê, mas estes são os Vizinhos do Livro. Temos como jogo ler e ir mais além – sem qualquer obrigação. Lemos histórias. Algumas puxam-nos pela língua, depressa nós próprios viramos contadores. Contudo, agora…

Ai! Ai! Mouraria… Agora, foi diferente. “Sou um leigo na matéria, mas não deixei de prestar atenção a duas obras”. “Não tenho conhecimentos para interpretar este género de arte. Um bom quadro transmite mais do que certas palavras”. Tal sentença não obsta a que nos esforcemos até agarrar palavras para expressar o que nos vai no espírito

No entanto, pediram-nos impiedosamente para dar voz aos nossos olhares. Sendo a primeira experiência deste género, não foi tarefa fácil.

Como não parecia fácil, devido à nossa idade, treparmos os degraus dos Surradores. «Passinho lento e miúdo, se querem chegar ao Largo dos Trigueiros», quem é que disse?


Nos Trigueiros, pausa junto ao mural do Mário Dionísio. Para lê-lo, em voz alta, como se fosse a página de um livro, começando pelo lado esquerdo. Entrámos assim numa trajectória, mesmo ignorando a exactidão dos pontos de partida ou de destino. De repente, os painéis do muro movimentam-nos pela calçada.

Mais dois lanços. Nota-se qualquer estranheza no piso superior do Largo. Restos de festa? Marcas de sã convivência entre o fora e o dentro das casas? Anda por ali, à volta do fontanário, Dom Quixote, o cão-de-água da fotógrafa Camilla Watson, satisfeito por nos ver, como qualquer turista a caminho do Castelo, a admirar os retratos, afixados pela sua dona, ao longo do beco das Farinhas. Retratos de gente amiga da fotógrafa e do cão. Encontrando a porta aberta, Dom Quixote, entra para mais uma troca de afagos.

Vencidos os últimos degraus, chegamos ao Largo da Achada. «Fomos recebidos pela D. Eduarda Dionísio, senhora muito simpática, que teve a gentileza e disponibilidade de nos mostrar toda a obra exposta e explicar cada quadro». Aprendamos com ela como se organizam os quadros residentes de Mário Dionísio, seu pai, e os da série temporária de José Júlio.
Usemos da nossa oportuna curiosidade. Deixemo-nos prender por esta ou aquela peça.
De Dionísio, guardou-se na retina o Rapaz da Guitarra ou aquela «tapeçaria alusiva à ribeira do Tejo /…/, quanto mais o olho, dele mais longe me vejo». O rio ou o quadro?
E ainda «a Reunião Clandestina, «pela sua cor e movimento». Tela que, durante anos, teve também de usar nome clandestino, «naquele regime perverso, os humildes reprimindo sem dó nem piedade».
Já dos quadros José Júlio, chamaram a atenção Paisagem, Cais, Natureza Morta, «que /…/ encantou pela combinação de desenho e cor», e Estrada. Esta «é o caminhar da Vida. Tem duas árvores sem folhas, pintadas de escuro… É o chegar ao fim da caminhada». Outra apreciação mereceu o mesmo quadro: «… Caminhando estrada fora, vê-se muito ao longe o que eu digo a longevidade da vida. As árvores despidas de folhas representam a vida despida de preconceitos. A nuvem negra que se vê no céu de chuva e tempestade representa a turbulência da vida. A erva verde que está a nascer representa a esperança. A terra que se vê à direita está à espera que o homem lhe deite a semente do trigo, para germinar o pão para a vida. O azul do céu representa a tranquilidade para a vida.»

 No percurso criativo de ambos os pintores, é evidente o afastamento da figura, numa laboriosa opção pela cor. Dionísio, cada vez mais luminoso; José Júlio, afirmando-se como geómetra do escuro, que não é preto nem verde nem azul, sendo tudo isso, em simultâneo.
Terminada a visita, havia unanimidade: «foi enriquecedora».
Teve, no entanto, um pequeno senão, ninguém ousou avançar comentários sobre o hilariante grupo pictórico das Escadinhas de S. Cristóvão. Aquele Fado Vadio há-de ficar para uma segunda caminhada pela  Mouraria

Andreia, Conceição, Emília, Eunice, Idalina, Ilda, Joaquina, Josefa, Leonilde, Normando, com JB