sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Mudanças


 


 

Será que também o nosso grupo de velhos Vizinhos do Livro está em restauro? Perguntei-me, à saída da última sessão.

Pois, de uma assentada, apresentaram-se quatro novos membros: três senhoras e um cavalheiro. Num ápice, ficaram enturmados. Agora já passamos da dúzia.

Do saco de uma das senhoras saltou uma primeira história. Atraente texto, sobre o batismo do rio Sorraia. Às primeiras linhas, já nos  sentíamos em Coruche, à beira do seu espelho de água.

E palavra-puxa-palavra, apresentados, pela  Idalina e  Josefa  dois contos da coletânea Felicidade na Austrália de Liberto Cruz, assumimo-nos  como  narradores. Sem  meças com o nosso autor.

O “petróleo” jorrando desairosamente no quintal  dos Matias, de S. Pedro de Penaferrim,  serviu-nos de combustível. Partimos para outros achados.

Quem é que, pela estrada da vida,  não encontrou umas moedas, notas que fossem? E qual a legitimidade da sua  apropriação? Se fosse um frigorífico, junto ao ecoponto? Eletrodoméstico ainda por estrear, com selos de garantia... Que diz a lei?

E aquele caso da cabra?  Lá pelas encostas do concelho de Belmonte, assegura a Graciosa. Dia e noite empoleirada sobre a mesma fraga, indiferente ao chamado, às ordens e ameaças  do pastor. A quem, no desespero de   demover o animal, se fez luz . Só poderia ser um sinal, tal fixidez caprina. Acertou: um pote de libras ocultado pela pedra, havia mais de duzentos anos. A quem pertencia de lei, o brilhante conteúdo? Ficou o pastor meses a aguardar que o padre fosse à vila, consultar  advogado ou tabelião. Nos entretantos, sonhava o sortudo  com a maquia que lhe havia de calhar, se a justiça fosse amiga dos pobres. Fora disso, contava os  amigos recentes e espantava-se com as súbitas obras de renovo na sacristia.

***

E quanto ao acontecido na moradia do Algueirão? Episódio recente, aqui perto de nós.

Vendida, para restauro, a um  jovem casal que ali meteu sonhos, cuidados  e poupanças. Sem-fim de projetos, licenças, ruídos, poeira…Voragem de dinheiro, para o resto dos seus dias.

Meses frenéticos, à espera que o empreiteiro desse os trabalhos por concluídos.

Para, em véspera da mudança dos primeiros móveis, acontecer aquele dispensável telefonema.

Da representante dos antigos proprietários, de cabeça perdida, reclamando esclarecimentos. Que  mexidas se tinham feito na velha casa? Quem acompanhou o pessoal durante as intervenções?

Cruzavam-se sombras do passado.  Herdeiros reclamavam fortuna posta a salvo  naquela casa. Trazida de África e ali soterrada por uma família de retirantes, na onda da descolonização, que, pouco permanecendo no Algueirão, se encaminhou para negócios no Brasil.

Tinha de se proceder a uma imprescindível pesquisa, ainda que para tanto dela se encarregasse a polícia. Estavam em causa - Ai! Ai! – peças de ouro, marfim e - Upa! Upa! – pedrarias. Para já não falar das porcelanas antigas

Pesado espólio, inventariado  em documento, datado de 1980, assinado por marido e mulher,  falecidos no Rio de Janeiro, há mais de uma década.

Mas em que ponto da casa?

Do mal o menos, sossegue-se quem lê. Visando a segurança do tesouro, tinham eles mandado abrir  no subsolo da despensa, com prolongamento para a cozinha, uma cave, a precato de  curiosos e da humidade. Servida por uma escada vertical, em ferro. Todo o espaço, coberto com tampa de aço. Repavimentado a mosaico.

Outono de 1975. E desde aí o que se passou na casa do Algueirão, deixada tantos anos em ruínas?

Respiraram fundo, os atuais proprietários. Do mal o menos. Assim como assim era uma oportunidade. Como o dinheiro para as obras não abundava e o chão da despensa tivesse afinal um aspeto novo, ainda que pouco ao seu  gosto, tinham-se limitado a disfarçá-lo com um forro de linóleo.

Outra vez os pedreiros. Agora  as despesas correndo por conta dos  herdeiros.

  Esvaziado o cofre-forte, ficou espaço, acessível e amplo,  para uma criteriosa garrafeira.
Alzira, Amena, Conceição, Elvira,  Graciosa, Idalina, Ilda, Joaquina, Joaquim Beja, Joaquim Monteiro da Silva, Josefa, Mariana, Maria José.