sábado, 31 de março de 2018

O senhor Ibrahim e as flores do Alcorão

Espero, Caras Vizinhas e Companheiras de Leitura, que na próxima quarta-feira, 4 de abril, possamos voltar ao encontro marcado com os nossos amigos Momo e Ibrahim. Lá para a Rue Bleue..., em Paris.

Talvez tenhamos perdido o ritmo, com estas semanas de pausa. Não se desanimem. Segundo o poeta persa Rumi (1207-1273) : "Não sofras. Tudo o que se perde volta com outra forma" .

Talvez outros e outras  visitantes deste blogue queiram aceitar a nossa sugestão de  um excelente livro.  Aqui lhes fica a capa:

 E a certeza de que terão bom acolhimento  nestas  páginas enternecedoras .

BOA PÁSCOA
                                                       Joaquim Beja
 

quinta-feira, 15 de março de 2018

«Fartou-se de esgalhar...»


CARLOS CORREIA, 1939-2018


Ficámos mais pobres de esperanças e sorrisos. Com a perda do nosso vizinho Carlos Correia. Estivemos juntos, desde há quase meio século. E eu, assumo: faltei-lhe nos últimos meses. Deixei de o encontrar. Estaria  a cumprir severas obrigações,  a que nunca renunciava? Não confirmei a minha hipótese.
E quando o Jorge me deu a notícia, assim num rasgão, já era tarde, para o calor do abraço. Ficámo-nos por uma deriva, sobre bandeiras  vermelhas... E angústias à  Kierkegaard… !

 Depois, com quem o acompanhou nos últimos dias, remexemos nas mágoas Nas do  seu corpo a definhar-se; naquela suprema dilaceração...  que quis evitar à Leonor; no desgosto dos  que o visitavam.
       Senti-me miserável ao sair, disse o Bento.
E às lágrimas deste amigo juntaram-se as do Humberto. Que bem as vi.
        Levei-lhe um cravo, soluçou.

Conheci-te, Carlos Correia, nos medos das reuniões, antes do 25 de Abril. Encontros raros, esquivos, com poucos participantes. Alguns cheios de convicções, nas estratégias e doutrinas; tu, reservado, sorrindo .Guardavas-te para as tarefas num tempo vindouro.
      Sabes o que eu dizia à Leonor, para justificar aquelas conversas? Com o Delmiro, o Félix, a Maria Teixeira...? Meia dúzia?!... Pois, que íamos pôr o  Desportivo  a funcionar…

 Em benefício dos filhos de toda a população da nossa freguesia de Rio de Mouro. Na verdade, minoria insubmissa, trocávamos panfletos, opiniões e perguntas sobre o estertor do regime, Ai, cai, cai! Mas quem lhe daria o abanão final? Quando?

 Tu, Carlos, moderavas arrebatamentos. Agarrado a uma certeza: mal chegasse a oportunidade, atirar-te-ias ao trabalho, para a comunidade. Com firmeza, tolerância e abnegação. 

Ora onde? Na Escola de Música Leal da Câmara. Quantos anos por lá te demoraste, para que a Educação Musical chegasse às crianças nossas descendentes?

 Nos Reformados. Aqui, a catalogar, numa lógica de arquivo, centenas de livros que ainda além embolorecem, aferrolhados, sem leitores. Fiel, guardaste o que te confiaram, Deixando para outros o desafio da fruição da leitura.

Não conheço em pormenor o teu notório contributo no Grupo Desportivo. Lembro-me dos teus comunicados e convocatórias, numa  inconfundível caligrafia. Cada palavra, além de apelar â mobilização, era um pássaro a levantar.  Numa idade em que outros arrumavam as botas, tu estavas na linha de partida, fazendo  inveja aos mais jovens, Nas  provas de corta-mato.

 Dos teus compromissos autárquicos, sublinho a declaração de tencionares entregar o cartão de militante, enquanto exercesses funções como eleito. Para tornar claro que servirias todos os habitantes de Rio de Mouro, sem recusar os princípios do programa eleitoral. Fizeste-o? Era um dos pontos a esclarecermos, se …

Mais duas notas:

Foi aquele senhor magrinho, ali da  rua Projectada, o pai do… , perguntou a minha filha.

Tarde e más horas. Soubera pelo Face. E recordava-te nas celebrações locais do Ano Internacional da Criança, em 1979. 

E a Marilisa, professora em Sintra, de Artes Visuais. Deliciada com o teu idealismo. Numa reunião, pedias o apoio dos ensinantes. Que as escolas  participassem numa ampla campanha de Educação Ambiental. Se tudo fosse assim tão fácil, se as escolas não apodrecessem os sonhos…

Breve: a tua maior ambição seria que as crianças e jovens de então se tornassem cidadãos cultos e livres; responsáveis e participativos, solidários  e felizes. Na nossa e em todas as vizinhanças.

 Assim foi, Carlos. Era preciso contar estas e outras  tantas  coisas. As tuas memórias cívicas.  Prometi mas adiei, não fui determinado. Ficou por escrever.  Acabou.

Mas escuta. Encontrei-me com dois retirantes do teu velório

Este gajo fartou-se de esgalhar pela nossa terra.

 Esgalhaste as tuas fibras, o teu coração.  Alguém te há de continuar, querido Amigo.

Obrigado
                                                         Joaquim Beja