terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Mais um recado para o Dr. Bacamarte


 Leitores vagarosos que somos, não nos arrojamos a acelerar escritas decorrentes das páginas lidas. Em qualquer momento se pode apanhar o balanço e dizer o que há para contar.
Com isto se justifica que só passadas algumas semanas sobre a leitura de O alienista, se diga mais alguma coisa a tal respeito. Mestre Machado não se vai zangar.
 Neste  recado ao Dr. Simão Bacamarte está evidente, apesar da incompreensão pelos desmandos  do visado, o espírito de tolerância  da nossa leitora Josefa.
JB

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Desculpe, Sr. Dr. Simão Bacamarte, mas não gostaria de o ter como meu conterrâneo, contemporâneo ou vizinho.

Pois temo que teria sido sua paciente, dada a sua capacidade abusiva de diagnosticar, tratar e internar as pessoas que considerava sofrerem de patologia mental, por apresentarem algum distúrbio, mesmo transitório.

Educado, culto, bem relacionado; médico diplomado pelas universidade de Coimbra e Pádua, e especializado, deve ter-lhe sido fácil planear a “Casa de Orates”, ou “Casa Verde”; conseguir os apoios financeiros para a sua construção e manutenção, enquanto conhecedor das instituições  e das facilidades com que algumas pessoas adquirem o dinheiro. É caso para dizer: em casa de cegos, quem tem olho é rei.

Para quê aceitar a proposta da regência da Universidade de Coimbra ou trabalhar em Lisboa a expedir os negócios da Monarquia?

«A Ciência –disse o Dr. Bacamarte  a Sua Majestade -  é o meu emprego. Itaguaí o meu universo.»

Quanto à escolha da esposa, por entender que aquela senhora reunia várias condições anatomo-fisiológicas, para lhe dar descendência robusta e saudável, é que foi uma desilusão. Dona Evarista mentiu-lhe ou não lhe disse toda a verdade. Na dúvida ou enganado, ainda recorreu a colegasu da área da medicina reprodutiva,  mas sem êxito.

Vendo D.Evarista pálida e a definhar, aconselhou-lhe e financiou uma viagem ao Rio de Janeiro, para se distrair, fazer compras, comer bem…

Com o baú  bem recheado de ouro e moedas, pôde Dona Evarista regressar contente, cheia de joias e sedas, que lhe haveriam de causar transtorno mental. Quando tinha de decidir quais usar nas festas e reuniões mundanas. Por isso, não se livrou de algumas semanas de internamento, na “Casa Verde”.

Déspota esclarecido num reino sem limites, medonho,  sempre o Dr. Bacamarte se soube rodear de pessoas que pudesse moldar, contornando  situações adversas e contraditórias, a seu bel-prazer ou a seu jeito. Até o elemento da Santa Madre Igreja, o padre Lopes, usou em seu proveito.

Quando o Senhor Dr. Simão Bacamarte chegou à conclusão de que não podia haver 4/5 de loucos em nenhum lado e que não estaria de  boa saúde mental, o padre Lopes e a assembleia da terra contradisseram-no, afirmando que o Senhor, tinha feito tudo bem, tudo o que devia. Nada a apontar. Que tinha uma qualidade que realçava as outras - a modéstia - o Dr. Bacamarte não acreditou. Arrependeu-se do seu passado e recolheu-se  à sua “Casa Verde”.

Onde morreu 17 meses.

Deve estar com Deus, pois dos arrependidos é o Reino dos Céus.

Josefa     »