terça-feira, 1 de abril de 2014

Envelhecer não é fácil, disse a Ilda


 

Decidiram os Vizinhos do Livro, enfrentando a não distante finitude da vida, escrever e descobrir outras escritas sobre a velhice. Naturalmente que Joaquina, Ilda, Idalina e Graciosa antes de conhecer os autores trazidos à leitura, avançaram com as suas razões.

O ponto de partida foi a obra Da velhice, de Cícero. Do discurso ficcionado de Catão tomámos o seguinte excerto: «5.15 Com toda a franqueza, quando reflito sobre este problema, distingo quatro causas devido às quais possa a velhice parecer infeliz: uma, porque aparta da administração dos negócios; outra, porque debilita o corpo; a terceira, porque impede o desfrutar de quase todos os prazeres: a quarta, porque está próxima da morte. Vejamos então, se vos apraz, qual a importância e legitimidade de cada uma delas.»

Foi quanto bastou para a composição dos textos que se seguem:

 

  1. Envelhecer

Desde o dia em que nascemos, envelhecemos progressivamente, porque, quer queiramos quer não, a ela [a velhice] chegaremos naturalmente.

Não se pode dar a vida por encerrada, ao atingirmos uma certa idade, é preciso continuar aprendendo.

Histórias que se pretendam escrever, quadros que se desejam pintar, uma sonhada viagem…e ver os netos crescer. Enfim, algo que confirme o interesse pela vida.

A verdadeira velhice está na escolha de cada pessoa, esquecendo-se de que o seu espírito pode continuar jovem, apesar do corpo ter envelhecido.

Joaquina Faia

 

 

2. Envelhecer não é fácil

Todos nós sabemos que envelhecer não é fácil, mas, bem ou mal, todos nós vamos caminhando nesse sentido.

Podemos envelhecer de aspeto, com rugas, já não temos aquela beleza física, temos um certo desgaste dos ossos, mas o nosso espírito pode manter-se jovem, enquanto nos mantivermos vivos.

A velhice não tem que ter padrão predefinido. Vendo bem as coisas, um jovem de trinta anos comparado com uma criança é um velho; e comparado a alguém da casa dos sessenta, é uma criança. Assim sendo, não há padrões corretos do que é ser velho.

A verdadeira velhice está no espírito das pessoas que simplesmente se entregam à passagem do tempo, esquecendo-se de que o seu espírito pode permanecer jovem, apesar do corpo envelhecido. Não podemos nem devemos perder a nossa jovialidade, porque a idade não nos impede de sonhar, de querermos aprender algo mais , termos uma vida ativa, praticar desporto, atividades intelectuais e curtirmos o tempo que ainda temos de vida.

A velhice é sinónimo de sabedoria e respeito, embora muitos pensem que é sinónimo de doença, fraqueza e inutilidade.

Infelizmente, Não podemos deter a passagem do tempo, mas isso não justifica uma eventual perda de alegria de viver.

Por isso, a velhice pode ser boa e alegre, apenas devemos ter cuidado com a nossa saúde, que é fundamental para a jovialidade do espírito.

Rio de Mouro, 28 de fevereiro de 2014

Ilda Guimarães

 

 

3. Velhice

A palavra velhice não me assusta e ser velha também não.

Ainda não me considero velha com os meus 66 anos, os meus cabelos brancos e as minhas rugas. Tudo faz parte da vida. Tenho uns filhos lindos e netos maravilhosos. Fiz algumas viagens e sinto que ainda tenho muito para dar! Tenha eu saúde. E é a falta dela que me assusta; se um dia a não tiver, aí sim, tenho medo: medo de não conseguir tratar de mim. De que em algum lar ou instituição, onde eu for acabar os meus dias, não encontre alguém caridoso para me dar um pouco e carinho, para acabar os meus dias com um pouco de conforto e dignidade. É dessa velhice que eu tenho medo.

Idalina Gonçalves

 

4. Dia dos meus 80 anos…

Vai caminhando lentamente

Essa octogenária ainda feliz

Luta com o chão, com o tempo

Há no olhar saudades longínquas

Insiste em não se derrubar

Curvada, procura ultrapassar

Esse fantasma que se avizinha

Graciosa

 

Fruídas as mensagens das nossas vizinhas, prendemo-nos aos propósitos de Catão-o-Velho, entre os quais assinalamos:

  1. “A velhice afasta-nos dos negócios”. De quais? Talvez daqueles que são realizados com o vigor da juventude? Não existirão, por conseguinte, ocupações para os velhos que, mesmo enfermos de corpo, possam por ventura realizá-las espiritualmente?[i]
  2. “Haveremos, nós, de permitir que à velhice faltem as forças para poder ensinar, instruir e preparar os jovens para toda a espécie de ocupações e desempenhos? Que serviço mais nobre poderá existir?”[ii]
  3. “Segue-se a terceira acusação feita a velhice: o facto de ela, segundo dizem, estar privada de prazeres. Oh! O belo presente da idade, se ela nos livra na verdade do pior erro da juventude!...

…se a razão e a sabedoria não nos permitem afastar o prazer, é necessário, então, que estejamos imensamente agradecidos à velhice por eliminar aquela ânsia de fazer o que não deveria ser feito

….Naquilo que me diz respeito, e devido ao meu amor pela conversação, aprecio os “banquetes ao entardecer”, não apenas com os da minha idade, poucos dos quais ainda estão vivos, mas também com os da vossa idade” [Catão refere-se aos seus interlocutores: Cipião e Lélio].[iii]

  1. “Resta-nos a quarta razão; parece esta ter sido especialmente premeditada para tornar a nossa vida ansiosa e cheia de preocupação: a aproximação da morte, a qual não está certamente longe da velhice. Infeliz aquele que, numa existência tão longa não terá chegado á conclusão de que se deve desprezar a morte!”[iv]

O pequeno livro de Cícero pode ficar por aí, ao alcance de quem souber colher dos seus ensinamentos

Entretanto, foi casual e oportuno passar das austeras reflexões do escritor romano para a poesia do nosso transmontano A. M. Pires Cabral: gaveta do fundo. Lembras-te, António, do teu fantástico Alascocairo, de há cinquenta anos atrás? Assustavam-se (fingiam que!) as raparigas da faculdade com tão medonha criatura; e tu, o criador, sorrias humilde. Não sei por que motivo, passados tantos dos teus livros, te vejo, hoje, com esse mesmo ar hílare, neste irónico e dorido adeus às pedras, matos, bichos e velhos da Terra Quente:

“Só já escombros.

Só já um espelho que se estilhaçou

e que, quando tento recompô-lo,

me faz rasgões na alma.”

Deixa-me apreciar com os meus parceiros de Rio de Mouro, por exemplo:

 

Caminho de pé-posto

Sou como este caminho de pé-posto.

Por mim passam caravanas de mendigos,

Rolam enxurradas.

 

Nas bermas, nas fundas furnas

Das minhas bermas, nidificam

Animais daninhos e se multiplicam.

 

Estou muito diminuído das contínuas

erosões.

Mas, íngreme embora e pedregoso

 e ocultado por tufos de ervas intrusas,

sou um caminho e levo a algum lugar.”[v]

 

Pois fique claro, amigos que a velhice, mais trapo menos trapo, não é um carnavalesco "rabo-leva", para chacota de governantes impiedosos.
BOAS LEITURAS!

                          

 

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[i] Cícero –Da velhice. Lisboa: Cotovia, 1998, p.19
[ii] Idem, ps.25-26
[iii] Idem, p. 31 e sgs
[iv] Idem, p. 46
[v] Cabral, A. M. Pires – gaveta do fundo. Lisboa: Tinta-da-china, 2013, p. 31.