segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Primeiro dia de escola

Continuamos a escrever ao impulso da  memória, sobretudo. da memória afetiva. Terminámos 2015 trazendo ao grupo dos Vizinhos registos do nosso primeiro  dia de aulas, na escola dita primária, dos idos de  40 e 50. Foram as crónicas de Marta Caires a desencadear esta nova linha de devaneio literário.
Os textos trazidos à leitura  dão para perceber e analisar os motivos que, depois de tantas décadas, permaneceram no nosso espírito. apetece perguntar porquê? Entre eles, a exatidão da data de ida à escola pela primeira vez, a revelação de  novos espaços, pessoas e laços sociais.
Publicam-se os textos por  ordem de chegada ao Grupo. Aguardam-se, ainda, novos testemunhos.







Leonilde


 Um caderno um lápis uma pedra em  lousa







Joaquina Faia Oliveira


Na primária das Galveias

Na primária das Galveias, a 7 de Outubro de 1951, foi o meu primeiro dia de escola.
Lembro-me que levava vestida uma bata de sarge [sarja] branca e uma sacola de serapilheira, onde transportava uma pedra em lousa para escrever e um livro de leitura, que já tinha sido dos meus irmãos. Foi com ele que nós aprendemos a ler.
Os meus pais diziam-nos que os livros não se podiam estragar, pois tinham de servir para os três, e assim foi.
Recordo a professora, chamava-se Maria de Lurdes era natural de Évora e irmã do cantor Francisco José.
A sala estava dividida em duas classes: 1ª e 3ª. No r/c, estavam as meninas e no 1º andar, os rapazes.
A primeira actividade para as meninas da primeira classe foi a realização de um desenho. Algumas disseram que não sabiam fazer, eu fui uma delas. Mas quando comecei a ver o que outras faziam recordei-me dos meus irmãos me terem ensinado, quando faziam os trabalhos de casa. Eu gostava de ver, então diziam-me para fazer bonecos, e eu fazia sempre três: era eu e eles. Desconhecia o significado da palavra desenho, logo aqui fiz a minha primeira aprendizagem.
Chegou a hora do intervalo. Era uma criança introvertida: fiquei no meu cantinho do pátio, a apreciar as cantigas de roda […..] se comparavam aos gritos do jogo da apanhada.. Os rapazes jogavam ao berlinde, que era substituído por bugalhas produzidas pelos carvalhos; outros jogavam à bola de trapo, feita de meias velhas.
A alegria de todos: transmitiam sorrisos.
Também eu fui feliz na escola, pela aprendizagem e amigas que criei. Ainda hoje relembro com saudade.
Elvira
«Porta-te bem!»
O meu primeiro ano escolar decorreu em Torres Novas.
O edifício ainda se situa na freguesia de S. Pedro, junto à igreja e é um prédio incaraterístico, hoje transformado em biblioteca.
Recordo-me, embora vagamente, do meu primeiro dia de escola. O meu pai acompanhou-me e, todo o caminho, foi-me sussurrando:
- Porta-te bem! Toma atenção às explicações da senhora professora!
Porta-te bem? Era uma recomendação escusada, pois eu era uma menina muito sossegada, tímida, bem longe da adolescente rebelde em que me tornaria…
Cerro os olhos para visualizar esse momento: ali ia eu, a bata muito alva, com os seus machos bem vincados, cabelo penteado com duas tranças simétricas, feitas pelas mãos engenhosas da minha mãe e rematadas com dois laços empertigados da cor da bata.
Meu pai e eu íamos de mão dada, levando na outra uma pasta de couro, onde introduzira um caderno de duas linhas, outro quadriculado, uma pequena ardósia e uma caixa de madeira, cuja tampa deslizava, deixando ver os lápis, borracha e caneta.
Chegados, meu pai foi falar com o diretor da escola de quem era muito amigo, principalmente devido às patuscadas realizadas no «Zé da Bola», recinto de bons petiscos e melhores bebidas etílicas, adjacente ao campo de futebol do clube torrejano.
Meu coração batia desordenadamente quando, no cimo das escadas que davam acesso à sala de aula, vislumbrei a Dona Berta: alta, esguia, fato escuro escorrido, quase até ao tornozelo, face angulosa, cabelo já com algumas cãs, puxado para trás e apanhado num toutiço feito com mestria.
Apesar do seu ar austero, recordo-me que poisou a mão ossuda na minha cabeça, sorriu-me ternamente e mandou-me sentar, enquanto ficou à conversa com o meu pai e o diretor.
Sentei-me mesmo à frente, talvez na única carteira vaga. Encarei-a com curiosidade: lá estava o buraquinho com o tinteiro de porcelana branca, ao lado o rebordo onde colocaríamos os nossos lápis e o tampo da carteira na posição oblíqua. Não tive coragem de o levantar, receosa que ele tombasse estrondeando, o que faria que os olhares do resto da criançada se focassem em mim!
Olhei, sorrateiramente, para a esquerda na ânsia de encontrar alguém conhecido, alguma criança amiga. Boa! Não estava sozinha! No meio da sala, lá estava ela, a Margarida, filha de um colega de meu pai. Achava-lhe imensa graça, talvez por ter um feitio que era a antítese do meu. Sardenta, cabelos fulvos, faladora, as suas gargalhadas ecoavam onde ela se encontrasse e logo senti um lenitivo com o seu largo sorriso, mostrando os alvos dentes. Voltei a cabeça para o lado oposto e vislumbrei outra criança conhecida: a Ivone. Como eu a admirava! Ou melhor, a ela não, mas àquelas duas covinhas ternurentas que, logo surgiam nas faces, mal esboçava um sorriso. Bem sonhava eu ter umas covinhas iguais!
Vou fazer-vos uma confissão: em casa, ficava longo tempo com o indicador espetado nas minhas bochechitas rosadas, esperando, ingenuamente, que as covinhas se fixassem no meu rosto. Como podem constatar, foi em vão tão «árduo» trabalho…
Voltando à minha professora, pouco me lembro do que se passou naquele dia. Sinceramente, só tenho a noção, embora vaga, que nunca fui admoestada nem senti a régua na minha pequenina mão. Pudera, eu era tão caladinha e aplicada!
Foi, com suave nostalgia, que recordei, embora enevoado com o tempo, o meu primeiro dia de escola e a D. Berta, que foi minha professora durante dois anos letivos. Não voltei a vê-la. Penso que, talvez, nessa altura, se tenha reformado. Quando me lembro dela, sinto uma ternura infinda pelo carinho e paciência com que desbravou as nossas cabecitas.

Josefa
Localiza-se no centro do povoado
O meu primeiro dia foi a 7/10/50. Acompanhada pela minha mãe; apresentou-me e entregou-me à Sra. Dulce, professora e residente na aldeia que se chama Gata.
     Dista mais ou menos 5 km da cidade da Guarda. Gata é atravessada pela linha de caminho de ferro que vai da estação da Guarda para Vilar Formoso. Por onde circulavam vários comboios, entre eles o Sud-Express internacional que ali atinge já grande velocidade. Corre próximo o rio Diz que, nesse tempo, no Inverno provocava grande incómodo, quando havia necessidade de o atravessar, quer pela frágil ponte de pedra quer pela oscilante ponte de madeira. Há ainda o cemitério, à beira do caminho, que era o terror das crianças, devido às histórias que se contavam.
Do edifício escolar desconheço a idade e a sua história. Localiza-se no centro do povoado, próximo do chafariz, da fonte, do bebedoiro, do forno, do lavadouro, em forma de capela com alpendre. De construção granítica, sala única, quadrangular; com uma porta, quatro janelas, várias carteiras par dois alunos e secretária; um fogão de sala ou salamandra. Suspensos na parede frontal, um quadro de ardósia, mapas e duas molduras com fotos dos presidentes da República, general Carmona e o do Conselho, Salazar.
Nela se lecionavam da 1ª à 4ª classes, incluindo a admissão (para poucos). Desconheço o número total de alunos. Da Gata éramos poucos, a maioria vinha de duas aldeias e quintas próximas. Passávamos o dia todo na escola. Os de fora faziam o percurso a pé, alguns atravessavam a linha-férrea sem qualquer protecão, a não ser a placa branca com um X, a informar: «Atenção! Pare, escute e olhe».
O rio Diz, em dias de temporal, com a tal ponte em parte de madeira oscilante e, ainda, a porta e parede do cemitério…Eram medonhos estes obstáculos para as crianças para as crianças.
Éramos todos pobres, mal vestidos e calçados higiene pouco cuidada, alguns com alimentação deficitária, de várias idades, físicas e mentais.
Em dias de grande intempérie, os de fora chegavam encharcados, tremendo de frio de muito sacudidos pelos ventos gélidos, assim se mantinham à beira do fogão, até secarem a roupa no corpo. À tarde, e às vezes já noite, era o regresso às suas casas, com o mesmo rigor ou pior ainda.
A alimentação era toda trazida de casa, tal como o parco material escolar, na sacola ou talega. Era comida ou ingerida na rua ou no telheiro da capela. Nos piores dias de tempestade, a professora apelava a que convidássemos os de fora q irem comer a nossa casa. Ela própria fazia distribuição, para algum conforto possível.
Da parte de alguns meninos da Gata havia provocações, encontros em sítios estratégicos e já mencionados, noutros, que geravam grandes sustos. E até agressões físicas.. Durante o recreio, também ocorriam vinganças e violência.
Não existiam auxiliares de ação educativa nesta terra, encalhada na pobreza, na dominação e deturpação da fé cristã, na ignorância e no medo.
Hoje penso que a minha escola tinha pouco autonomia, pos até o exame da terceira classe fomos fazer a outra localidade. Barracão.
Quanto à senhora professora, no meu entender, era pouco tolerante para com aquelas crianças com mais dificuldades de aprendizagem. A régua e a cana entravam em ação com bastante frequência, assim como outros castigos.
O aluno que indicado por ela respondesse acertado a outro que estava a ser interrogado, era convidado a molestá-lo. Este ato era gerador de conflitos e vinganças, entre alunos, fora do espaço escolar.
Pelo exposto, não nutro grande afeição por este tempo nem por esta escola.
Rinchoa, 3-11-2015
Josefa J. Gonçalves Teixeira.
Joaquim M. S.

Escola Alexandra Martha da Cruz 
INTRODUÇÃO





Corria o ano de 1943. O mundo assistia ao desenrolar da Segunda

Guerra mundial. Embora Portugal não participasse directamente na guerra, os

seus efeitos fizeram-se sentir na vida dos portugueses, especialmente das

camadas mais desfavorecidas das aldeias do interior norte do país. Nasci

numa dessas aldeias onde não havia luz eléctrica, água canalizada e

saneamento básico. As casas, todas construídas em granito, abrigavam

pessoas e animais do clima gelado do rigoroso inverno e do tórrido verão. A

minha aldeia chama-se Miuzela do Coa no concelho de Almeida, distrito da

Guarda e é sede de freguesia. Fica situada numa encosta na margem

esquerda do rio Coa e na margem direita do rio Noémi, a 750 metros de

altitude, dista cerca de 30 KM da sede do distrito e outros tantos da sede do

concelho. É servida pela linha de caminho de ferro da Beira Alta e possui um

apeadeiro a cerca de 1KM da freguesia. A minha aldeia já existia no século XII.


A MINHA ESCOLA PRIMÁRIA

A minha escola era, e é, um edifício diferente de todas as escolas

primárias existentes naquela época, constituído por um só piso, com quatro

salas de aula, duas para rapazes e duas para raparigas, com dois professores

e duas professoras respectivamente, de linhas arquitectónicas, que, creio, não

haverá nenhuma igual em Portugal. Não obedece ao chamado Plano

Centenário”, como a maioria das escolas construídas por este país fora

naquele período do chamado “Estado Novo” !... Foi mandada construir por um

particular da minha aldeia que, depois de regressar do Brasil onde fora

emigrante, a ofereceu ao povo da sua terra natal. É um edifício muito bonito,

circundado por jardim e pátio de recreio, já nessa época com sanitários, sendo

o recreio dividido ao meio por um muro, separando os rapazes das raparigas.

Assim, o recreio e os sanitários eram completamente separados por sexos. Foi

inaugurado no ano de 1932, como consta da inscrição no frontispício, bem

como o nome da escola que é o do doador: ESCOLA ALEXANDRE MARTHA

DA CRUZ.

  • A MINHA APRESENTAÇÃO NA ESCOLA

No dia 7 de Outubro de 1943, ainda não havia completado os 7 anos de

idade, a minha mãe levou-me ao colo, rua acima, até à escola primária, onde

me entregou ao professor. Ia cheio de medo, a mudança de ambiente causava-

me calafrios, pois embora a escola não ficasse longe de casa, o sítio mais

afastado onde eu já tinha ido sozinho, era a casa do meu avô Álvaro ao fundo

da povoação, talvez aí uns 100 metros de distância. Era, pois, o meu mundo de

então. Chegados à escola e depois de a minha mãe me recomendar ao

professor, ali fiquei; nervoso e receoso ao princípio, comecei a acalmar-me à

medida que os outros caloiros da minha idade foram chegando à escola. Afinal

se aquilo era tenebroso, não era só para mim! Ao entrar na sala de aulas e ao

sentar-me na carteira, olhei em redor e destaquei o enorme quadro preto e nas

outras paredes vários mapas em que sobressaía um quadro que representava

uma família aldeã, constituída pelo pai, homem forte e bem parecido, que

entrava numa casa bonita e bem arranjada, com a enxada ao ombro, enquanto

a mulher trazia a refeição para a mesa e o filho, vestido com a farda da

mocidade portuguesa, se apressava a sentar-se à mesma. Ao longo dos quatro

anos da minha permanência naquela sala de aulas, muitas vezes fixei aquele

quadro e achava uma enorme desconformidade entre o que ele representava e

a realidade das casas e da vida das pessoas da minha aldeia.


O MEU PRIMEIRO PROFESSOR

O professor, homem calmo e de idade já avançada, pertencia a uma

estirpe de famílias da nobreza aldeã, talvez da antiga cavalaria vilã, detentoras

de brasão e senhoras das mais importantes casas e propriedades rurais, não

só da minha aldeia como das outras terras das redondezas. Dos familiares que

conheci naquela época, só ele e outro irmão atingiram formação intelectual de

relevo, pois este, a quem chamavam “Doutor”, parece que tinha atingido

formação laico-religiosa adquirida em Itália. Era o que se dizia. Parece que os

descendentes directos, aqueles que os tinham, já que parte daqueles irmãos,

que eram muitos, morreu sem eles, também não chegaram a ter qualquer

formação superior.


A MINHA PRIMEIRA AULA

O primeiro trabalho que me foi proposto fazer, foi traçar na “pedra”

( ardósia) dois segmentos de recta paralelos a toda a largura, ligados entre si

por outros segmentos perpendiculares e equidistantes entre si por forma a o

conjunto constituir uma escada. Na altura, os alunos da primeira classe ainda

  • não tinham régua e as linhas eram traçadas à mão livre, pelo que era difícil as

linhas serem rigorosamente equidistantes para merecerem o nome de

paralelas! Assim passámos o primeiro dia de aulas a fazer “escadas”,

apagando com cuspo e um pano e repetindo, no sentido do aperfeiçoamento

da obra! Nos dias que se seguiram, começámos a tentar desenhar as primeiras

letras e, naturalmente, a pronunciá-las, a memorizá-las e a juntá-las, para mais

tarde aprendermos a ler e escrever.


O MEU SEGUNDO PROFESSOR

No início da segunda classe fomos surpreendidos com o aparecimento

de um novo professor, porque o primeiro tinha-se reformado. Este novo

professor era genro do primeiro, tinha vindo de uma terra lá dos lados de

Castelo Branco. Tinha fama de ser tão bom professor como de carrasco! E de

facto assim era: bom professor porque ensinava e puxava pelos alunos das

quatro classes que leccionava. Na minha quarta classe levou a exame 18

alunos, tendo obtido 15 distinções e 3 aprovações; carrasco, porque batia nos

alunos que não estudavam ou não mostravam capacidade para aprender.

Tinha um feitio violento. Os métodos de ensino, por vezes, eram terríveis! No

português, disciplina para ele fundamental, chegava a organizar “desafios” na

conjugação dos verbos, colocando os alunos em semi-círculo e começando por

uma ponta a perguntar os tempos e modos dos verbos. Se o aluno respondia

bem, perguntava ao seguinte outro tempo ou outro modo; se este respondesse

errado ou não respondesse, passava a pergunta ao seguinte e caso este

acertasse mandava-lhe pegar na régua e bater no colega que não sabia a

matéria. Esse dia era um dia de terror para alguns alunos. Logo nos primeiros

dias de aulas, substituiu a régua normal do seu antecessor, fina, graduada, que

de vez em quando desaparecia, introduzida nas frinchas da secretária pelos

alunos mais velhos, por uma régua grossa com cerca de dois centímetros de

espessura, mandada fazer de encomenda a um carpinteiro. Certa vez, pediu a

um aluno para lhe arranjar uma vara comprida para servir de ponteiro que

chegasse ao quadro com ele sentado à secretária. O aluno levou a vara mas

perguntou-lhe aonde a foi cortar. O aluno disse que a cortou numa árvore do

quintal que ficava em frente da escola. Acto contínuo, deu-lhe logo umas

varadas porque o quintal era propriedade do seu sogro!

Naquele tempo não havia auxiliares de acção educativa e eram os

alunos que, ao sábado procediam à limpeza da sala de aulas, varrendo e

limpando a sujidade maior agarrada às tábuas do soalho de madeira. Também

ao sábado os alunos faziam ordem unida, autêntica instrução militar, quer no

recinto da escola quer através dos campos, com a roupa normal que tinham

vestida, pois os alunos não tinham farda da mocidade portuguesa nem sequer

bata porque os pais não tinham dinheiro para as comprar. A escola não tinha

aquecimento. No Inverno, o gelo e a neve tornavam insuportável o frio dentro

da escola. Apenas o professor tinha aquecimento através de um recipiente combrasas denominado “escalfeta” , que de vez em quando, ao longo do dia,

mandava um aluno a sua casa com o aparelho para que a família lhe

substituísse as brasas extintas por outras bem acesas da lareira. Mais tarde, já

eu estava na quarta classe, o professor, com a concordância dos colegas,

lembrou-se de adquirir quatro fogões a lenha (salamandras), um para cada

sala, mas como não havia dinheiro, fizeram um peditório aos pais dos alunos.

Como os meus pais já tinham dois filhos na escola, contribuíram com cinco

escudos por cada um.

O horário escolar era das nove às doze e das treze às dezasseis, creio

eu. Ao meio-dia íamos jantar (naquela época, na minha aldeia, o almoço era de

manhã, o jantar ao meio dia e à noite a ceia), mas havia alguns alunos que

ficavam no recreio e não iam jantar e a razão, diziam eles, era que não tinham

nada para comer em casa! Como é que uma criança pode aprender com o

estômago vazio? Eram estes que não aprendiam e que por isso levavam

pancada! As aulas terminavam na escola a meio da tarde, mas não para os

alunos da quarta classe que ali pelo mês de Maio, depois de saírem da escola

e irem a casa merendar, apresentavam-se em casa do professor e, no quintal,

com os mapas dependurados nas árvores estudavam a geografia geral, fixando

o nome das serras, o nome e o curso dos rios e seus afluentes, as linhas de

caminho de ferro e suas estações , a geografia económica do país, incluindo a

das ilhas e das possessões do ultramar, etc , pois os exames estavam à porta

e era preciso estar preparado. Na matemática, resolviam-se problemas, cujas

contas enchiam o enorme quadro preto; problemas esses que o professor nos

dizia haver colegas dele que não os sabiam resolver!

Ao longo dos anos este professor foi uma referência para aquela

população. Ainda hoje se fala dele: era carrasco porque batia muito nos alunos

menos dotados, mas era um grande professor porque os alunos obtinham

óptimos resultados nos exames!

Estas são, pois, algumas das minhas recordações da minha frequência

da escola primária, em que a vivência dos acontecimentos e os conhecimentos

adquiridos ajudaram à formação da minha personalidade e contribuíram para

minha visão do mundo e da sociedade em geral.

Joaquim Monteiro da Silva

PS: Por opção, o texto não respeita o chamado acordo ortográfico 
    Ilda

Sonho ou pesadelo?

Entrei na escola quando completava 7 anos. Estávamos em Outubro de 1954. Recordo que andava irrequieta, muita ansiosa e sempre a fazer perguntas à minha mãe, o que era natural, aproximava-se o primeiro dia de aulas, 7 de Outubro.

Quando chegou esse grande dia, acordei bem cedo, levantei-me, vesti o meu vestido novo, calcei as minhas socas de sola de amieiro e preparei a minha mala com os livros novos comprados em Vila Real. O restante material foi comprado na mercearia da minha terra, Sabrosa, lousa, giz, lápis, cadernos de duas linhas, borracha, tinteiro de escrever, mata-borrão, etc. Tomei o meu pequeno-almoço, uma chávena de café de cevada e dois pães quentinhos acabados de sair do forno a lenha, barrados com margarina vaqueiro e lá fui eu acompanhada de outra colega que morava na mesma rua.

 O caminho, meu Deus, nessa altura, parecia-me longo. Ia com alguma ansiedade em saber como seriam os meus novos colegas e de conhecer também a minha professora.

Quando cheguei fiquei logo encantada com a escola, era um edifício novo, tinha sido inaugurado no Verão desse mesmo ano, com um grande recreio e um jardim muito bonito e bem tratado, muitas crianças, umas  eu conhecia outras não. 

Entretanto a campainha tocou e nós fomos entrando e sentando nas respetivas secretárias à medida que a professora fazia a chamada. Éramos perto de 40 crianças, a sala era enorme, e ao fundo existia um quadro, onde escrevíamos sempre que a professora chamava, e duas molduras com as fotografias de Salazar e do General Craveiro Lopes.
Seguiu-se a apresentação da professora Eduarda, era assim que se chamava, de 29 anos, natural da aldeia de S. Martinho de Anta, terra do poeta e escritor Miguel Torga, casada com o médico da minha terra, Dr. João Marques e com dois filhos pequenos, respetivamente de um e três anos. Depois foi a vez dos alunos se apresentarem e, no final falou que para além da pontualidade tinham que estar atentos nas aulas e que os deveres de casa eram para ser feitos, senão ficavam de castigo ou não entravam na sala. Mostrou também a régua de cinco olhos, a palmatória de madeira para dar reguada para quem não estudasse e não soubesse as tabuadas, incluindo os nove fora. Era uma pessoa rígida e muito disciplinada, de poucos sorrisos, muito habitual para a época. Não gostei nada dela, a maneira como falava assustava-me, foi uma tortura para mim, as horas nunca mais passavam e eu só pensava em brincar com as outras crianças da minha rua, além de estar já com saudades dos meus pais e das minhas irmãs. 

Quando finalmente saí, cheguei a casa e a chorar disse à minha mãe que não queria ficar mais naquela escola e com aquela professora, e talvez por isso não guarde grandes memórias do meu primeiro dia de aulas, porque o que eu pensava ser um sonho tornou-se um pesadelo que me acompanhou até à 4ª classe.

  

Graciosa


Um dia inesquecível


No dia sete de Outubro de 1939, saí de casa em …. Acompanhada da Maria Judite, hoje com 89 anos e minha cunhada. Atravessámos carreiros estreitinhos, cheirando a bela-luz. Louca com o vestido de gorgorina aflanelado por dentro, encarnado, boina espanhola encarnada, meias de renda branca feitas pela minha mãe, tamanquinhos de madeira por baixo e ponteirinhas amarelas de cobre, feitos pelo meu pai. ……..

   

Era uma légua para lá (Jardos ) e outra de regresso, por caminho-de-ferro. A meio do percurso, de um aqueduto por baixo dos carris, saiu um animalzinho «igual» ao cão da minha tia Teresa, chamado Diu, Eu chamei: « Diu!», mas, em vez de um, vieram quatro Dius . Afinal, eram raposas de rabo bem farfalhudo. Dei-lhes a minha merenda e elas comeram-na.


A Judite comeu a sua merenda e voltou para trás. Eu fui almoçar com os meus tios, perto da escola, e fui pedir desculpa à D. Lucília, a regente. Tanto ao meu tio como à D. Lucília recitei uma poesia que o meu pai me tinha feito memorizar:


«Pelo carreiro fora

Vai o burro e o tio Roque

Arre burro, tique toque.

E na azenha, a mó moendo

Vai moendo sem cessar

Em breve o grão será farinha

E depois o pão do lar»


É que o meu tio era moleiro.

Só que o livro estava manchado de castanho, resultado de um ciclone que levantou uma telha da minha casa e despejou numa prateleira.

A D. Lucília chamou o marido, que era filho da Sr.ª Eufrásia e ele foi buscar cinco tostões de rebuçados de meio tostão. Ganhei-os, portanto tive de distribui-los pelas minhas primas, colegas de carteira Isabel e Joaquina.


Estava combinado entre os meus pais que quando fosse tarde eu ficasse na casa deles. Assim aconteceu. O Zezinho disse: « Olha,  o piolho  já sabe ler!», mas era de cor.

E até sabia o hino francês, que o meu pai estava na França e ensinou-mo. Se maior fosse o dia, algo mais acontecia!... E mais: Eu, a Joaquina e José André descemos o outeiro, fomos à fábrica de lanifícios do meu padrinho, que ficava por baixo da ponte, sobre o rio Noémi que fazia girar o rodízio que dava energia à fábrica, dizer aos dois tecelões Valérios que fizessem o favor de dizer aos meus pais que eu estava com os primos.

Foi um dia inesquecível