Vou falar sobre a minha terra, os comediantes, que foi
lá que apareciam, quando eu era pequena. A minha terra, uma aldeia, não tinha
luz [eléctrica] nem água canalizada, quando eu era pequenita. Em termos de
lazer, nada existia e as pessoas, na sua maioria, tiravam o sustento da
agricultura.
Acontecia porém que, de vez em quando, apareciam por
lá uns grupinhos, a que se chamavam os
comediantes, e que vinham alegrar a monotonia da aldeia. O chefe do grupo,
com um tambor e um grande funil virado ao contrário, anunciava à população o
espectáculo que ele e o seu grupo iam fazer, em determinado sítio da aldeia, ao
início da noite.
O povo, quase na totalidade, ia ver o espectáculo. Era
sempre no grande largo. Os pais levavam os filhos, que ficavam à sua frente, e assim
todos assistiam. Os artistas actuavam no meio, e todos assistiam à volta. Cantavam,
dançavam, faziam ginástica e num ou noutro grupo até faziam números de
trapézio. Todos batiam palmas. No fim, estendendo o chapéu, alguns dos
comediantes pediam à população que desse a contribuição para o trabalho executado.
Pagavam-lhes em moedas, brancas e pretas, cada um conforme sua generosidade.
Nós as crianças - ávidas por aprender a imitá-los nas
nossas ruas, no recreio da escola – muito felizes. Eles passavam lá algum
tempo, depois iam embora.
Recordo que eu e outra amiguinha da minha idade, na
rua dela, que era uma travessa, aos domingos à tarde, cantávamos e dançávamos o
que tínhamos aprendido com os comediantes, e outras coisas que já sabíamos. Começavam a
juntar-se vizinhas que aplaudiam.
Elas
gostavam e nós adorávamos, pois cada domingo a assistência ia aumentando, o que
nos enchia de orgulho.
Entre outras, havia uma parte de que me estou a
lembrar, que era o “baptizado da boneca”.
Repito:
«Não sabem nada?
É hoje o baptizado da minha boneca
Dizem que ela é careca por ter um olho estourado
Há-de levar um vestidinho todo com folhos à roda.
Tem também uns sapatinhos com feitio todo da moda.
Tem ainda um chapéuzinho que é da cor da cereja.
Oh!!! Há-de levar um beijinho quando for para a
igreja.
Agora padrinhos, padrinho é que ela não tem…
Fui falar com a mamã, não está para me aturar:
Anda toda atarefada com a boda que há-de dar.
Ninguém quer ser o padrinho, só por ela ser careca!
Vossa Ex.ª faz favor de baptizar a minha boneca?»
Havia uma senhora professora que gostava imenso destas
coisas, que respondia:
«Sim senhor e vai chamar-se Maria Helena.»
E estas coisas nos deixavam muito felizes.
Mas, apesar de a minha terra ser pobre em termos de
lazer, era muito rica em calor humano. As pessoas casavam lá, tinham os seus
filhos que ficavam rodeados de toda a família, de forma que havia um aconchego
muito grande que nada tem a ver com a frieza e a distância que hoje vemos.
Enfim, bons tempos que vão e não voltam, como se dizia
por lá.
Maria José Afonso Quarenta
NB: As desculpas à Maria José, pela demora na publicação. Espero que, em férias com a família, encontre neste texto tudo o que nos quis comunicar.
Sobre os bonecos da nossa infância, ainda se aguardam novas apresentações.
J B.
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