domingo, 3 de julho de 2016

Os Comediantes





Vou falar sobre a minha terra, os comediantes, que foi lá que apareciam, quando eu era pequena. A minha terra, uma aldeia, não tinha luz [eléctrica] nem água canalizada, quando eu era pequenita. Em termos de lazer, nada existia e as pessoas, na sua maioria, tiravam o sustento da agricultura.
Acontecia porém que, de vez em quando, apareciam por lá uns grupinhos, a que se chamavam os comediantes, e que vinham alegrar a monotonia da aldeia. O chefe do grupo, com um tambor e um grande funil virado ao contrário, anunciava à população o espectáculo que ele e o seu grupo iam fazer, em determinado sítio da aldeia, ao início da noite.
O povo, quase na totalidade, ia ver o espectáculo. Era sempre no grande largo. Os pais levavam os filhos, que ficavam à sua frente, e assim todos assistiam. Os artistas actuavam no meio, e todos assistiam à volta. Cantavam, dançavam, faziam ginástica e num ou noutro grupo até faziam números de trapézio. Todos batiam palmas. No fim, estendendo o chapéu, alguns dos comediantes pediam à população que desse a contribuição para o trabalho executado. Pagavam-lhes em moedas, brancas e pretas, cada um conforme sua generosidade.
Nós as crianças - ávidas por aprender a imitá-los nas nossas ruas, no recreio da escola – muito felizes. Eles passavam lá algum tempo, depois iam embora.
Recordo que eu e outra amiguinha da minha idade, na rua dela, que era uma travessa, aos domingos à tarde, cantávamos e dançávamos o que tínhamos aprendido com os comediantes, e outras coisas que já sabíamos. Começavam a juntar-se vizinhas que aplaudiam.
Elas gostavam e nós adorávamos, pois cada domingo a assistência ia aumentando, o que nos enchia de orgulho.
Entre outras, havia uma parte de que me estou a lembrar, que era o “baptizado da boneca”.
         Repito:

«Não sabem nada?
É hoje o baptizado da minha boneca
Dizem que ela é careca por ter um olho estourado
Há-de levar um vestidinho todo com folhos à roda.
Tem também uns sapatinhos com feitio todo da moda.
Tem ainda um chapéuzinho que é da cor da cereja.
Oh!!! Há-de levar um beijinho quando for para a igreja.

Agora padrinhos, padrinho é que ela não tem…
Fui falar com a mamã, não está para me aturar:
Anda toda atarefada com a boda que há-de dar.

Ninguém quer ser o padrinho, só por ela ser careca!
Vossa Ex.ª faz favor de baptizar a minha boneca?»

Havia uma senhora professora que gostava imenso destas coisas, que respondia:

«Sim senhor e vai chamar-se Maria Helena.»

E estas coisas nos deixavam muito felizes.
Mas, apesar de a minha terra ser pobre em termos de lazer, era muito rica em calor humano. As pessoas casavam lá, tinham os seus filhos que ficavam rodeados de toda a família, de forma que havia um aconchego muito grande que nada tem a ver com a frieza e a distância que hoje vemos.
Enfim, bons tempos que vão e não voltam, como se dizia por lá.

Maria José Afonso Quarenta

NB:  As desculpas à Maria José, pela demora na publicação. Espero que, em férias com a família,  encontre neste texto tudo o que nos quis comunicar.
Sobre os bonecos da nossa infância, ainda se aguardam novas apresentações.  
J B. 

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