sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023


A laje já não existe

Na minha infância! Era o local de encontro, onde eu ia com as ovelhas do meu pai; outras com os bois; e havia outra que tinha uma burra…Por vezes íamos todas montadas nela, no mínimo três ou quatro.
Essa laje ficava perto de um lameiro onde os animais pastavam. E nós fazíamos as nossas brincadeiras de crianças, com bonecas de trapos, confecionadas por nós.
Brincávamos “as comadres e compadres”, fazíamos os batizados. Aos domingos, levávamos de casa a merenda de pão com chouriço, presunto…preparada sem as nossas mães “verem”. Comíamos essa merenda como o melhor dos manjares. Depois, éramos comadres e compadres.
As saudades que eu tenho desses tempos, apesar de difíceis.
Hoje, essa laje já não existe, porque a passagem de uma estrada deitou tudo abaixo.
Hoje, quando lá passo, lembro-me da laje, das minhas brincadeiras, da laje que já não existe.
Mas existe uma amiga que é minha comadre de verdade, pois é madrinha do meu filho mais velho.

Idalina Gonçalves

segunda-feira, 7 de maio de 2018

BE-LER CAFÉ!

Pois acreditem os nossos Amigos. No  último encontro, delicíámo-nos  com excelente café na nossa mesa de leitura. Quem duvida?

 Por sugestão da Ana, que também nos trouxe outras histórias de Africa, a saborear mais tarde.

Sim, be-lemos,  com esmerado serviço de Olinda Beja e Teresa Bondoso, uma linda historinha, pela voz sábia de um velho contador da Ilha do Príncipe.Caxipembe, de seu nome,

Se apreciar uma aromática xícara é uma prova de mestria e  um convite à viagem, be-ler café é muito mais envolvente. Fomos mais longe,  na partilha de um texto enternecedor, na conversa suscitada. Doseando cada gota de memórias, cada sorvo de palavras. Chegaram à nossa mesa  aromas e sabores de robustas e arábicas plantas. Houve quem nos levasse ao museu de Campo Maior ou revelasse, sem selfies, tranquilas  caminhadas por cafezais.

Porque um tempo foi em que livros e cafés se casavam. Mesmo assim, recriámos  a breve ilusão.

 E aqui deixamos a chave desta esta alquimia:




sábado, 31 de março de 2018

O senhor Ibrahim e as flores do Alcorão

Espero, Caras Vizinhas e Companheiras de Leitura, que na próxima quarta-feira, 4 de abril, possamos voltar ao encontro marcado com os nossos amigos Momo e Ibrahim. Lá para a Rue Bleue..., em Paris.

Talvez tenhamos perdido o ritmo, com estas semanas de pausa. Não se desanimem. Segundo o poeta persa Rumi (1207-1273) : "Não sofras. Tudo o que se perde volta com outra forma" .

Talvez outros e outras  visitantes deste blogue queiram aceitar a nossa sugestão de  um excelente livro.  Aqui lhes fica a capa:

 E a certeza de que terão bom acolhimento  nestas  páginas enternecedoras .

BOA PÁSCOA
                                                       Joaquim Beja
 

quinta-feira, 15 de março de 2018

«Fartou-se de esgalhar...»


CARLOS CORREIA, 1939-2018


Ficámos mais pobres de esperanças e sorrisos. Com a perda do nosso vizinho Carlos Correia. Estivemos juntos, desde há quase meio século. E eu, assumo: faltei-lhe nos últimos meses. Deixei de o encontrar. Estaria  a cumprir severas obrigações,  a que nunca renunciava? Não confirmei a minha hipótese.
E quando o Jorge me deu a notícia, assim num rasgão, já era tarde, para o calor do abraço. Ficámo-nos por uma deriva, sobre bandeiras  vermelhas... E angústias à  Kierkegaard… !

 Depois, com quem o acompanhou nos últimos dias, remexemos nas mágoas Nas do  seu corpo a definhar-se; naquela suprema dilaceração...  que quis evitar à Leonor; no desgosto dos  que o visitavam.
       Senti-me miserável ao sair, disse o Bento.
E às lágrimas deste amigo juntaram-se as do Humberto. Que bem as vi.
        Levei-lhe um cravo, soluçou.

Conheci-te, Carlos Correia, nos medos das reuniões, antes do 25 de Abril. Encontros raros, esquivos, com poucos participantes. Alguns cheios de convicções, nas estratégias e doutrinas; tu, reservado, sorrindo .Guardavas-te para as tarefas num tempo vindouro.
      Sabes o que eu dizia à Leonor, para justificar aquelas conversas? Com o Delmiro, o Félix, a Maria Teixeira...? Meia dúzia?!... Pois, que íamos pôr o  Desportivo  a funcionar…

 Em benefício dos filhos de toda a população da nossa freguesia de Rio de Mouro. Na verdade, minoria insubmissa, trocávamos panfletos, opiniões e perguntas sobre o estertor do regime, Ai, cai, cai! Mas quem lhe daria o abanão final? Quando?

 Tu, Carlos, moderavas arrebatamentos. Agarrado a uma certeza: mal chegasse a oportunidade, atirar-te-ias ao trabalho, para a comunidade. Com firmeza, tolerância e abnegação. 

Ora onde? Na Escola de Música Leal da Câmara. Quantos anos por lá te demoraste, para que a Educação Musical chegasse às crianças nossas descendentes?

 Nos Reformados. Aqui, a catalogar, numa lógica de arquivo, centenas de livros que ainda além embolorecem, aferrolhados, sem leitores. Fiel, guardaste o que te confiaram, Deixando para outros o desafio da fruição da leitura.

Não conheço em pormenor o teu notório contributo no Grupo Desportivo. Lembro-me dos teus comunicados e convocatórias, numa  inconfundível caligrafia. Cada palavra, além de apelar â mobilização, era um pássaro a levantar.  Numa idade em que outros arrumavam as botas, tu estavas na linha de partida, fazendo  inveja aos mais jovens, Nas  provas de corta-mato.

 Dos teus compromissos autárquicos, sublinho a declaração de tencionares entregar o cartão de militante, enquanto exercesses funções como eleito. Para tornar claro que servirias todos os habitantes de Rio de Mouro, sem recusar os princípios do programa eleitoral. Fizeste-o? Era um dos pontos a esclarecermos, se …

Mais duas notas:

Foi aquele senhor magrinho, ali da  rua Projectada, o pai do… , perguntou a minha filha.

Tarde e más horas. Soubera pelo Face. E recordava-te nas celebrações locais do Ano Internacional da Criança, em 1979. 

E a Marilisa, professora em Sintra, de Artes Visuais. Deliciada com o teu idealismo. Numa reunião, pedias o apoio dos ensinantes. Que as escolas  participassem numa ampla campanha de Educação Ambiental. Se tudo fosse assim tão fácil, se as escolas não apodrecessem os sonhos…

Breve: a tua maior ambição seria que as crianças e jovens de então se tornassem cidadãos cultos e livres; responsáveis e participativos, solidários  e felizes. Na nossa e em todas as vizinhanças.

 Assim foi, Carlos. Era preciso contar estas e outras  tantas  coisas. As tuas memórias cívicas.  Prometi mas adiei, não fui determinado. Ficou por escrever.  Acabou.

Mas escuta. Encontrei-me com dois retirantes do teu velório

Este gajo fartou-se de esgalhar pela nossa terra.

 Esgalhaste as tuas fibras, o teu coração.  Alguém te há de continuar, querido Amigo.

Obrigado
                                                         Joaquim Beja

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Mais um recado para o Dr. Bacamarte


 Leitores vagarosos que somos, não nos arrojamos a acelerar escritas decorrentes das páginas lidas. Em qualquer momento se pode apanhar o balanço e dizer o que há para contar.
Com isto se justifica que só passadas algumas semanas sobre a leitura de O alienista, se diga mais alguma coisa a tal respeito. Mestre Machado não se vai zangar.
 Neste  recado ao Dr. Simão Bacamarte está evidente, apesar da incompreensão pelos desmandos  do visado, o espírito de tolerância  da nossa leitora Josefa.
JB

 «  
[......]

Desculpe, Sr. Dr. Simão Bacamarte, mas não gostaria de o ter como meu conterrâneo, contemporâneo ou vizinho.

Pois temo que teria sido sua paciente, dada a sua capacidade abusiva de diagnosticar, tratar e internar as pessoas que considerava sofrerem de patologia mental, por apresentarem algum distúrbio, mesmo transitório.

Educado, culto, bem relacionado; médico diplomado pelas universidade de Coimbra e Pádua, e especializado, deve ter-lhe sido fácil planear a “Casa de Orates”, ou “Casa Verde”; conseguir os apoios financeiros para a sua construção e manutenção, enquanto conhecedor das instituições  e das facilidades com que algumas pessoas adquirem o dinheiro. É caso para dizer: em casa de cegos, quem tem olho é rei.

Para quê aceitar a proposta da regência da Universidade de Coimbra ou trabalhar em Lisboa a expedir os negócios da Monarquia?

«A Ciência –disse o Dr. Bacamarte  a Sua Majestade -  é o meu emprego. Itaguaí o meu universo.»

Quanto à escolha da esposa, por entender que aquela senhora reunia várias condições anatomo-fisiológicas, para lhe dar descendência robusta e saudável, é que foi uma desilusão. Dona Evarista mentiu-lhe ou não lhe disse toda a verdade. Na dúvida ou enganado, ainda recorreu a colegasu da área da medicina reprodutiva,  mas sem êxito.

Vendo D.Evarista pálida e a definhar, aconselhou-lhe e financiou uma viagem ao Rio de Janeiro, para se distrair, fazer compras, comer bem…

Com o baú  bem recheado de ouro e moedas, pôde Dona Evarista regressar contente, cheia de joias e sedas, que lhe haveriam de causar transtorno mental. Quando tinha de decidir quais usar nas festas e reuniões mundanas. Por isso, não se livrou de algumas semanas de internamento, na “Casa Verde”.

Déspota esclarecido num reino sem limites, medonho,  sempre o Dr. Bacamarte se soube rodear de pessoas que pudesse moldar, contornando  situações adversas e contraditórias, a seu bel-prazer ou a seu jeito. Até o elemento da Santa Madre Igreja, o padre Lopes, usou em seu proveito.

Quando o Senhor Dr. Simão Bacamarte chegou à conclusão de que não podia haver 4/5 de loucos em nenhum lado e que não estaria de  boa saúde mental, o padre Lopes e a assembleia da terra contradisseram-no, afirmando que o Senhor, tinha feito tudo bem, tudo o que devia. Nada a apontar. Que tinha uma qualidade que realçava as outras - a modéstia - o Dr. Bacamarte não acreditou. Arrependeu-se do seu passado e recolheu-se  à sua “Casa Verde”.

Onde morreu 17 meses.

Deve estar com Deus, pois dos arrependidos é o Reino dos Céus.

Josefa     »

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Depois de "O Alienista" de Machado de Assis


Saldo de leitura:
A nossa colega Elvira Carvalho prova, mais uma vez, que a sua pertença aos Vizinhos do Livro passa pelo prazer. O dela, recriando a partir do  lido e discutido; o nosso, ficando deliciados com o que escreve.

Machado de Assis também teria apreciado esta carta a uma das suas mais intemporais personagens.


 
«
SENHOR SIMÃO BACAMARTE:



Apreciaria demonstrar-lhe que é com simpatia que lhe estou a escrever esta carta, mas creia que é bastante contrariada que o faço. O senhor, desde o início, sempre me infundiu uma certa repulsa, tanto no campo profissional como psicológico.



Acredita que, apesar do autor do livro informar o leitor que o senhor era um exímio médico, em mim sempre reinou a dúvida? A interrogação é involuntária. Não se trata de algo que eu escolha: interrogo-me, porque não consigo deixar de o fazer. Será que se formou mesmo em medicina? É que, no livro, nunca houve espaço dedicado a alguma cura que tivesse realizado, baseada no campo científico. A sua obsessão pela investigação sobre a mente humana, apenas tinha uma finalidade: enriquecer à custa daqueles que, fracos de espírito, acreditaram em si. E o seu torpe objetivo concretizou-se: mandou construir a Casa Verde com essa finalidade. Imagino esse maldito edifício de grandes janelas de guilhotina com grossas grades, largos parapeitos e portas duplas. Aí, encerrou mais de metade da população de Paraguaí, engrossando, simultaneamente, a sua fortuna pessoal.



Psicologicamente, o senhor era um terrível ditador: olhar inquisitivo, mente acutilante, de palavras secas, usou um sorriso enfático e as suas idiossincrasias para manipular os outros que julgava serem inferiores. Os seus segredos escondiam-se dentro de providencial silêncio.



Quando se sentiu encurralado pelos seus antagonistas, o senhor abriu as pesadas portas da Casa Verde que, rangendo, deixaram passar, novamente para o mundo, todos os que, traiçoeiramente, foram feitos prisioneiros por um homem desprezível, esse sim, mentalmente doente: o senhor Simão Bacamarte. Dessa vez, fez-se silêncio à volta da Casa Verde, embora na sua cabeça, vislumbrasse assobios e apupos.



Fiquei, no entanto, aturdida pela sua total ausência de arrependimento, vendo que, num gesto teatral e perante o espanto de todos, se encerrou na Casa Verde a pretexto de que ia tentar descobrir o remédio para a sua loucura pois, afinal, o alienado era o senhor. Levou, de certeza, consigo a última ligação ao mundo exterior: os velhos livros, onde horas e horas a fio se debruçara sem, afinal, obter resultados de tão «penoso» estudo!



Deixe, sr. Simão Bacamarte, vaguear a minha imaginação: vejo-o a calcorrear os corredores frios e húmidos da Casa Verde, com passos lentos, pesados e medidos, transportando debaixo do braço um velho alfarrábio. Sinto o seu sorriso relutante, irónico e sobranceiro, a sua pose distante fortalecida pela ausência dos que o senhor apodava de medíocres, imaginando que seria possível fugir para uma outra longínqua vila brasileira, onde pudesse refazer a sua vida, voltando a realizar as suas frustradas experiências e conseguindo enriquecer novamente.



Contudo, Machado Assis, talvez mais humano que eu, e querendo anemizar a sua personagem, deu-lhe um digno fim: a morte após dezasseis meses de isolamento.



Porém, se há vida para depois da morte, como muitos crêem, eu vejo-o ser recebido, efusivamente, por Satanás que o lança para o fogo resplandecente do seu reino. Para minha vergonha, sinto uma pontada de remorso, misturada com alívio. Sou trespassada por um inesperado relâmpago de medo. Subitamente, o coração sobe-me à garganta, afunda-se no meu peito e fico aturdida: ali, na minha frente, no meio das crepitantes labaredas, vejo-o altivo, os seus frios olhos chisparem de ódio, a fixarem-se em mim e, com um dedo inquisidor, apontar na minha direção, vociferando:



- ORA AQUI ESTAVA UM ÓTIMO EXEMPLAR PARA EU ENCERRAR NA CASA VERDE!!!

Estonteada e aterrorizada subscrevo

 Elvira Carvalho » 

 
*******************
Boas Festas.
Luminoso Solstício a toda a gente que participa e apoia os Vizinhos do Livro.
Até 2018, a iniciar  com a leitura de duas crónicas de Carlos Esperança.




 

 

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

"O alienista" de Machado de Assis

 
 
 






As  duas versões de O alienista foram publicadas com um intervalo de 76 anos, isto é 1941, a da Inquérito e, neste 2017, o suplemento da revista Visão

A  novela foi uma das propostas acordadas,  para o sexto período de amizade literária  dos Vizinhos do Livro. Somos corajosos, pois claro! Ou também estaremos na margem da loucura?
 
E à volta deste livrinho nos reuniremos, a partir do próximo dia 13 de setembro. Às 15 horas, como de costume.

Porém, nada nos obriga a ficar logo agarrados a estas páginas de  Machado de Assis. E se recordássemos o que dele já lemos anteriormente?
 Talvez seja  até mais interessante que cada um de nós traga de sua escolha   uma história para contar, escrita ou oral. Ou, claro!, novas ideias para  as nossas sessões.

Dizem que haverá Vizinhos estreantes.  Bom é! Que assim  se possam refrescar  as rotinas.

Aguardam-se desde já os vossos comentários a este aviso. A todos um abraço de amizade.
 
 BOAS-VINDAS E BOAS LEITURAS.
 
JB

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

"Aparição" Vergílio Ferreira



 
                                                                           
 
 
Em 2016, a propósito do Centenário, prestámos a devida atenção aos contos de Mário Dionísio. Não tivemos, no entanto, oportunidade de apreciar outro autor, Vergílio Ferreira, também nascido em 1916. Aqui, entre os Vizinhos do Livro, nem  sempre somos rigorosos em matéria de calendário.
 
Iniciámos  as atividades de 2017, com a mesma vontade de ler em grupo e a obrigação de retomar o incumprido no ano transato. A Aparição, foi a nossa escolha para conhecermos um pouco mais de Vergílio Ferreira.
 
No topo, a imagem de um velhinho exemplar de uma terceira edição da obra (1959), adquirida, pelo Carnaval de 1961, por um rapazinho estudante, em regresso de uma excursão de finalistas do Liceu de Santarém. 
Tanta euforia por praias e bailes algarvios. Olhos  brancos de amendoais... Sem sabermos que a mudança demográfica em breve os apagaria para sempre.
Nas  paragem de Beja, invadimos a livraria, em cujo escaparate se evidenciava a Aparição. Ficou o rapazinho estudante fascinado com as primeiras palavras do prefácio. Anunciam um universo estranho, fosse qual fosse o enredo que as folhas não guilhotinadas escondiam. 
A comprar, mas como?, os bolsos estavam coçados por gastos da anterior pequena folia. Uma tentação inesperada: esconder  o livro no bolso da batina, isto é, roubar.
Não!
Mesmo assim, não ocultou ao livreiro a tristeza por ali deixar o cobiçado objeto.  Em resposta, o homem passou-lhe para as mãos um invendível de reles cepa. Uma reportagem e comentário deita-abaixo, assinados por jornalista salazarengo. Por boa educação, o rapaz aceitou, mesmo ignorando a doutrina do escriba.
 
Afinal, o estudante teria feito um favor ao comerciante, limpando-lhe  da estante um traste de reles reputação. Quem aplicava a etiqueta -  tínhamo-lo por  velho sábio - era o professor de Filosofia Dr. Joaquim Almeida que, à entrada do autocarro, ansioso por continuar viagem, conferia a chegada dos atrasados.
 
Na paragem seguinte, em Évora,  novamente aquele  livro, aliás muitos, nesta mancha de vermelho e azul.  Toda a montra do Nazaré! Irresistível: o rapaz pediu ajuda aos colegas, pagaria quando chegassem a Santarém, E comprou este exemplar. que guardou cioso, vida fora.
 
Que leu e releu, à luz do petróleo, por esse fevereiro e março seguinte. Escondido na narrativa. Entretanto, rádio, televisão  e jornais sobressaltavam com as primeiras notícias da guerra em Angola
 
Voltemos à Aparição do Vergílio Ferreira.
 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Boas Festas e Boas Leituras




A doçura, quase inevitável, da presente quadra  justifica, ainda que outras razões não houvesse, a publicação deste texto de uma das nossas companheiras dos  Vizinhos do Livro.  A Maria José, com autoridade profissional e experiência pessoal, fala-nos de açúcar e da diabetes. Assinala-nos o aparecimento no mercado, de um sensor de glicémia, dispositivo de apoio aos diabéticos e questiona sobre o modo como esse  está, ou não, ao alcance de quem dele mais necessita.
Pois é, nem sempre a nossa literatura é matéria de puro devaneio!

 
"
Nas minhas férias aconteceu algo que, para mim, foi muito relevante.

Via as notícias na SIC, e o jornalista revelou ter sido descoberto um sistema que permitia ajudar no controlo da diabetes, sem serem necessárias as habituais picas nos dedos.

Fiquei muito atenta, pois sou diabética, desde os meus 18 anos, e picar os dedos várias vezes ao dia era para mim um suplício.

No dia seguinte, liguei  para a Associação dos Diabéticos, para testar a verdade do que tinha ouvido.

Confirmaram a notícia e disseram-me que as pessoas que usavam estavam muito satisfeitas, confirmando o que se tinha passado na reportagem. Depois liguei para a Abbot, o laboratório onde se pode adquirir o sistema, via on line .

Adquiri o sistema que é composto por um sensor, que se aplica na parte externa do braço,  e um  leitor, que me permite informação sobre a glicémia , tantas quantas vezes eu quiser, sem me causar qualquer sofrimento. Dá-me o registo da glicémia, que comigo é extremamente variável, ajudando-me a controlá-la.

Estou muito satisfeita, foi o melhor que me podia acontecer. No entanto, nem tudo é perfeito. Este sistema não é comparticipado, fica mesmo caro.

Mas porquê? Sempre fui uma  cidadã válida, contribuindo com os meus descontos e pagando os impostos. Ninguém é diabético por querer e, muito menos, por qualquer comportamento menos correcto. Se preciso deste sistema, para poder ter uma melhor qualidade de vida, por que motivo não é comparticipado?

Fica a pergunta.
"
Maria José
Sensor de glicémia, aplicado no braço da Autora


 

sábado, 26 de novembro de 2016

E quando os seniores ainda sonham?...






A Pedra Filosofal, ao virar da esquina
 



Texto de Elvira Carvalho


O SONHO COMANDA A VIDA!

Na última reunião do Clube de Leitura, ficara combinado, caso não chovesse, que faríamos  uma visita ao mural, pintado pelo artista STYLER, na escola nº1 de Rio de Mouro.

Ora, no dia 9, São Pedro ouviu as nossas preces, pois é bem mais revigorante uma aula ao ar livre que enfiados no «cubículo» onde decorrem as reuniões….

 Chegados perto do mural e depois de várias tentativas de procurarmos no passeio, (mas quase em vão!) um sítio limpo de dejetos caninos, admirámos, então, em geral, a obra : bom desenho, cores quentes e a frase com a qual começa o poema: «Eles não sabem nem sonham…»

Ouviu-se uma voz atrevida, entoando a genial música de Manuel Freire, mas logo o nosso «maestro» com a sua batuta eliminou o dó e o ré, lembrando às participantes que tinham ido ali,  com a finalidade de interpretar os desenhos que o artista pintara ….

O primeiro é uma escola: será que ele imaginou que é lá que se iniciam os nossos sonhos? Que desbravamos as mentes e transmitimos à criança os primeiros ensinamentos para, finalmente, sonhar? E a borboleta multicor, símbolo de liberdade, esvoaçando através dos céus, personificará os nossos sonhos que são atingíveis por todos aqueles que se esforçam e têm vontade de vencer…

Seguidamente, a menina, recostando displicentemente o queixo no braço, cara diáfana e olhos meigos postos num horizonte sem fim, com um sorriso misterioso, antevendo como se sentirá vitoriosa ao ver os seus sonhos, um dia, realizados. A seu lado,  um calhamaço, a que ela não dá grande importância, pois os sonhos não estão gravados em livros, mas na nossa fértil imaginação. E a borboleta lá continua esvoaçando como símbolo daqueles que sabem que há comunhão estreita entre a ciência e a poesia. Talvez, por isso, Bartolomeu de Gusmão idealizou a frágil passarola que, infelizmente, não teve o impacto que ele imaginara, mas que foi, de certeza, a mola impulsionadora de outras invenções futuras. A paleta das aguarelas simbolizará toda a panóplia de exímios artistas e sábios, que se distinguiram na pintura, na arquitetura e na ciência.

 Surgiu depois aos nossos olhos uma garrafa com um barco no seu interior e várias foram as interpretações: foi unânime que o barco fazia alusão à época dos Descobrimentos. Mas porquê dentro de uma garrafa? Será que significa o esforço hercúleo dos nossos navegadores que, mal preparados física e tecnicamente, se atiraram com frágeis caravelas para o mar cruel, em busca de terras distantes e desconhecidas, com as quais eles tantas vezes sonhavam? Será que significa a aventura  e a esperança de chegar a bom porto? Este «será» fica dependente do que cada um imaginar.

A cor castanha que brota da garrafa, pode personificar as longínquas terras descobertas, ou a canela e outras especiarias, o ouro e o marfim, que enriqueceram o nosso império. E, como diz o poeta, o sonho é uma constante da vida e, assim, baseados em invenções anteriores, o homem construiu o carro que trouxe uma melhoria na sua vida sócio económica, começando a realizar viagens, a ter momentos de lazer, conhecer outros lugares e outras gentes. Aparece, então, a rádio e a televisão. E o homem comum ficou abismado com a formidável descoberta feita por seres que perseguem os seus sonhos. Os mais incrédulos pensaram: - Como é que um montão de fios e fiozinhos conseguem «esparrachar» no ecrã as caras dos nossos ídolos, encontrando-se eles tão longe?

Sim, era de pasmar, mas o sonho continuaria a comandar a vida e o homem quis sempre concretizar aquilo que idealizava. E o foguetão? Olhos esbugalhados, fixos no ecrã da televisão, vimos a gerigonça com a cauda vomitando fogo, rasgando os céus a uma velocidade louca, pousando finalmente, na Lua. Esta realidade é o fruto da aliança da inteligência do homem com os seus sonhos, o que fará que nunca acabará de inventar, criar e realizar.

Será que o astronauta ficou dececionado, quando poisou na Lua? Por um lado, festejou a enorme vitória que tal viagem significava para o mundo; por outro, talvez ficasse atónito ao olhar para ela, inóspita, cheia de crateras, bem longe daquela lua, vista da Terra, tão redonda, ar bonacheirão, sorriso maroto e cúmplice dos enamorados! Deceção ou não, o homem continuará a sonhar, a inventar, a concretizar….

Acabada a visita, voltámos ao «cubículo», onde lemos o poema «Pedra Filosofal», já com uma certa facilidade de compreensão.

Por favor, não fiquem perplexos com algumas más interpretações dos desenhos do mural! Desculpem tanta interrogação, mas quisemos dar, a cada uma das intervenientes desta visita, a sua sonhadora interpretação!

Lembrem-se, também, que … quando um SÉNIOR sonha, o mundo pula, ou melhor, saltita e avança….. 












 


 
 

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

BALADA DA NEVE : recordações


 De ALZIRA SILVA

Era um dia de inverno, triste, nublado, gélido, como todos os dias desta época do ano, na cidade da Guarda. Foi nesta cidade que fiz a minha carreira académica.

Hoje, vou recordar um episódio da minha puberdade. De todos os professores que tive, sem dúvida, simpatizei de maneira diferente com todos eles.

Vou falar da minha professora de português que, diga-se de passagem, não era da minha simpatia! Um dia, talvez, venha a justificar a razão...

Falou-se do grande poeta Augusto Gil que, não sendo natural da Guarda, aí passou a maior parte da sua vida. Falou-se de múltiplas coisas, da sua biografia, não esquecendo o poema que o imortalizou: «A balada da neve». Eu, nessa altura, adorava ouvir histórias que bebia com ansiedade e refletia muito sobre tudo o que ouvia! Foi o caso. Depois, para grande surpresa minha, vim a saber que havia no meu liceu um seu familiar!Fiquei muito surpreendida ao saber que o homem encarregado de tocar a cabra, no início e no final das aulas, era da sua família!Sim, a cabra, uma sineta puxada por uma corrente, que todos os alunos desejavam ouvir, principalmente no final das aulas, ou não fosse a brincadeira o que mais nos preenchia, nessa altura!...As campainhas atuais, são já fruto da civilização dos novos tempos!

Pois, a dita professora, que para mim tinha pouca simpatia, mandou-nos decorar «A balada da neve», para ser recitada por alguns alunos, na aula seguinte. Por fim, disse-nos: « O escritor está sepultado neste cemitério junto do liceu, espero que vão lá e me transmitam o que leram no seu mausoléu.»

 Eu, como curiosa e deslumbrada com a Balada da neve», fui com mais três colegas ao cemitério. Eram elas: a Natércia, a Maria Alice e a Ana Maria. Surpresa, das surpresas: logo à entrada, do lado esquerdo, erguia-se imponente um mausoléu, austero, cinzento, de um granito escuro, onde se lia, no topo, a seguinte frase:

« E a pendida fronte, ainda mais pendeu, e a sonhar com Deus, com Deus, adormeceu» Augusto Gil

Fiquei sem palavras! Olhámos umas para as outras, senti um arrepio e recordo-me do que me veio à memória nessa altura. Como este homem pensava na morte!… Eu, só nessa altura pensei nela verdadeiramente.

Na aula seguinte, levei a «Balada» na ponta da língua. Inspirou-me profundamente e pensei nas crianças da minha aldeia, que em pleno inverno, tiritavam com frio e com fome, por aquelas ruas tortuosas, mal agasalhadas, e por vezes descalças… Na minha imaginação,  via-as com os pezinhos descalços, sem força para os levantar daquela neve, que habitualmente caía, nos dias tristes e cinzentos do inverno. Sempre fui muito sensível à miséria! Ainda hoje, aquela poesia  me comove profundamente!

Mas, voltando à aula, fui a segunda a declamar.  Fiz um esforço incalculável para manter a voz clara e percetível, pois, à medida que lia, a voz embargava-se e as lágrimas teimosamente rolavam pelas minhas faces! A professora, olhou para mim, e apercebeu-se da minha emoção!…Sem me criticar, puxou-me para ela e beijou-me na face!

Nunca mais me esqueci desta sua atitude! A partir daqui, comecei a ter dela uma outra opinião. Também se sensibilizou com o meu estado de espirito...  Depois de outros declamarem, mandou-nos falar sobre o escritor. Eu recordava-me apenas de algumas coisas ditas por ela, na última aula. Foi advogado e poeta. Passou a maior parte da vida na cidade da Guarda . Licenciou-se em direito em Coimbra e, de todas as suas obras , a que o imortalizou foi a « Balada da neve». Também me lembro de ter falado em outros poemas, um que escreveu dirigido à mãe, também me sensibilizou…

Mais tarde, debrucei-me mais sobre a  sua obra. Considero-o melhor na poesia do que na prosa. Foi um escritor com uma poesia simples, inspirada nas paisagens da sua «Sagrada Beira», como ele lhe chamava, e na vivência das pessoas daquela zona. Tudo lhe servia de inspiração para elaborar poemas lindíssimos como «Luar de Janeiro», onde está inserida a « Balada da neve».

 
.Além de poemas, escreveu crónicas. Apreciei sempre mais a poesia! Há letras suas que ainda hoje se cantam em alguns fados.

Finalmente, vim a perceber que os versos que encimavam o seu mausoléu foram tirados de uma  obra sua, «Alba Plena», onde ele pretendeu relatar a vida da mãe de Jesus, sendo os dois últimos versos desse poema, o seu epitáfio do cemitério da Guarda  «E a pendida fronte, ainda mais pendeu, e a sonhar com Deus, com Deus ,adormeceu» .

Eu, como beiroa, sinto-me orgulhosa pela obra do poeta, que tanto admiro, não só pelo meu espírito bairrista, como pela minha sensibilidade humanista.



 
BALADA DA NEVE
Augusto Gil

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
– Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
– e cai no meu coração.
Luar de Janeiro
 
 
Augusto Gil








Augusto César Ferreira Gil nasceu em Lordelo do Ouro, Guarda, no dia 31 de julho de 1873, e faleceu em Lisboa no dia 26 de fevereiro de 1929. Estudou inicialmente na Guarda, donde os pais eram oriundos, e formou-se em Direito na Universidade de Coimbra. Começou a exercer advocacia em Lisboa, tornando-se mais tarde diretor-geral das Belas-Artes. Na sua poesia notam-se influências do Parnasianismo e do Simbolismo. Influenciado pelo lirismo de António Nobre, a sua poesia insere-se numa perspectiva neorromântica nacionalista.
Obras poéticas: Musa Cérula (1894); Versos (1898); Luar de Janeiro (1909); O Canto da Cigarra (1910); Sombra de Fumo (1915); Alba Plena (1916); O Craveiro da Janela (1920); Avena Rústica (1927); Rosas desta Manhã (1930). Crónicas: Gente de Palmo e Meio (1913).
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/agil.htm
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