CARLOS CORREIA, 1939-2018
Ficámos
mais pobres de esperanças e sorrisos. Com a perda do nosso vizinho Carlos
Correia. Estivemos juntos, desde há quase meio século. E eu, assumo: faltei-lhe
nos últimos meses. Deixei de o encontrar. Estaria a cumprir severas obrigações, a que nunca renunciava? Não confirmei a minha
hipótese.
E
quando o Jorge me deu a notícia, assim num rasgão, já era tarde, para o calor
do abraço. Ficámo-nos por uma deriva, sobre bandeiras vermelhas... E angústias à
Kierkegaard… !
Depois,
com quem o acompanhou nos últimos dias, remexemos nas mágoas Nas do seu corpo a definhar-se; naquela suprema dilaceração... que quis
evitar à Leonor; no desgosto dos
que o visitavam.
Senti-me miserável ao sair, disse o Bento.
E
às lágrimas deste amigo juntaram-se as do Humberto. Que bem as vi.
Levei-lhe um cravo, soluçou.
Conheci-te,
Carlos Correia, nos medos das reuniões, antes do 25 de Abril. Encontros raros,
esquivos, com poucos participantes. Alguns cheios de convicções, nas estratégias e
doutrinas; tu, reservado, sorrindo .Guardavas-te para as tarefas num tempo
vindouro.
Sabes o que eu dizia à Leonor, para justificar aquelas
conversas? Com o Delmiro, o Félix, a Maria Teixeira...? Meia dúzia?!... Pois, que
íamos pôr o Desportivo a funcionar…
Em benefício dos filhos de toda a população da
nossa freguesia de Rio de Mouro. Na verdade, minoria insubmissa, trocávamos panfletos, opiniões e
perguntas sobre o estertor do regime, Ai, cai, cai! Mas quem lhe daria o abanão
final? Quando?
Tu, Carlos, moderavas arrebatamentos. Agarrado a uma certeza: mal chegasse a oportunidade, atirar-te-ias ao trabalho, para a comunidade. Com firmeza, tolerância e abnegação.
Ora
onde? Na Escola de Música Leal da Câmara. Quantos anos por lá te demoraste,
para que a Educação Musical chegasse às crianças nossas descendentes?
Nos Reformados. Aqui, a catalogar, numa lógica de
arquivo, centenas de livros que ainda além embolorecem,
aferrolhados, sem leitores. Fiel, guardaste o que te confiaram, Deixando para
outros o desafio da fruição da leitura.
Não
conheço em pormenor o teu notório contributo no Grupo Desportivo. Lembro-me
dos teus comunicados e convocatórias, numa
inconfundível caligrafia. Cada palavra, além de apelar â mobilização,
era um pássaro a levantar. Numa idade em
que outros arrumavam as botas, tu estavas na linha de partida, fazendo inveja aos mais jovens, Nas provas de corta-mato.
Dos teus compromissos autárquicos, sublinho a
declaração de tencionares entregar o cartão de militante, enquanto exercesses
funções como eleito. Para tornar claro que servirias todos os habitantes de Rio
de Mouro, sem recusar os princípios do programa eleitoral. Fizeste-o? Era um
dos pontos a esclarecermos, se …
Mais
duas notas:
Foi aquele senhor magrinho, ali da rua Projectada, o pai do… , perguntou a minha
filha.
Tarde
e más horas. Soubera pelo Face. E
recordava-te nas celebrações locais do Ano Internacional da Criança, em 1979.
E
a Marilisa, professora em Sintra, de Artes Visuais. Deliciada com o teu
idealismo. Numa reunião, pedias o apoio dos ensinantes. Que as escolas participassem numa ampla campanha de Educação
Ambiental. Se tudo fosse assim tão fácil, se as escolas não apodrecessem os
sonhos…
Breve:
a tua maior ambição seria que as crianças e jovens de então se tornassem
cidadãos cultos e livres; responsáveis e participativos, solidários e felizes. Na nossa e em todas as vizinhanças.
Assim
foi, Carlos. Era preciso contar estas e outras
tantas coisas. As tuas memórias
cívicas. Prometi mas adiei, não fui determinado.
Ficou por escrever. Acabou.
Mas
escuta. Encontrei-me com dois retirantes do teu velório
Este gajo fartou-se de esgalhar pela nossa terra.
Esgalhaste
as tuas fibras, o teu coração. Alguém te há de
continuar, querido Amigo.
Obrigado
Joaquim Beja