Andamos
há largas semanas sem dar conta dos nossos jogos de leitura, contudo os Vizinhos do Livro não se atiraram ao
poço da mândria, antes se ocuparam com a descoberta de textos da Maria Teresa Horta, autora sobre quem
mais se dizia do que se sabia. Assim, dedicámos sessões a excertos das Meninas e, com particular gosto, às As luzes
de Leonor. Neste caso, não faltaram emocionados comentários sobre as
páginas das núpcias da marquesinha.
«Tofano deixa uma noite a mulher fora de
casa, e ela, por mais que suplique, não podendo entrar, finge atirar-se a um
poço e atira uma grande pedra […].»
“
- Tofano! Tofano!
O
homem estava apavorado que nem ouvia a mulher.
-
Tofano!
A
certa altura, o homem parou a pensar que o chamamento vinha do poço. Ao chegar aí,
meteu o balde com a corda mas não encontrou sinal algum, só um silêncio
profundo.
Ao voltar para
casa, vê a mulher na janela, pensando que estava embriagado ou enlouquecido,
tentou abrir a porta, mas estava fechada por dentro. Nesse momento compreendeu
que tinha sido enganado.
A astúcia da
mulher levou-a a lutar pelos seus interesse, mostrando ao marido que o ciúme
excessivo pode provocar o fim de um relacionamento.
25-03-2015
“
Josefa:
“
Monna
Ghita, à janela.
- Acudam! Acudam! Que o meu Tofano endoidou. Saiu
dizendo que ia regar a horta, deixou-me fechada em casa, e aí vai com balde e corda,
a caminho do poço. Mas que vai ele fazer? Ai aquele poço! Acudam que não tenho
chave.
A primeira
pessoa a chegar foi o tal moço que a cortejava e com quem ela discretamente
seroava.
Encontrou o vizinho
debruçado sobre o bordo do poço, mais dentro do que fora…
- Vizinho
Tofano, ó homem, tenha juízo, a horta não precisa de rega.
- Deixa-me
rapaz, deixa-me esvaziar este poço. Mete-te na tua vida.
Se assim
queres, pensou o rapaz, vou dar-te uma ajuda. E, com um pequeno impulso,
empurrou-o, pondo-se logo a gritar por socorro.
Logo
apareceram pessoas com mais baldes, cordas e uma lanterna.
Mas estava
frio, a água era funda, não conseguiram tirar o corpo do Tofano com vida.
Mais
gritaria, choros, orações. Pobre homem!
Monna Ghita
tinha uma explicação para aquela infelicidade. O vinho, sempre o vinho.
- O meu homem
voltou a entrar em casa perdido de bêbedo, com insultos e ameaças, o costume.
Até que adormeceu. Quando eu julgava que ia haver sossego, ouvi-o estremunhado:
«Ficas aqui, que eu vou regar a horta: Onde está o balde?» Aquilo era um
pesadelo ou coisa ruim.
- O meu
Tofano! E agora… Agora o que vai ser de mim? Faz-me tanta falta.
Dela se
aproximou o tal rapaz, cheio de compaixão:
- Não desesperes,
Monna Ghita, Deus vai ajudar-te a ultrapassar este momento, e nós os aretinos também.
“
Leonilde
“
A mulher indo para a janela começou a
dizer:
- Com papas e bolos se enganam os tolos!
Consegui que saísses de casa e fui eu quem te trancou a porta. Só espero que
compreendas a lição que te dei…
Tu foste ao poço para me salvar, mas a
tua preocupação era salvar a tua honra…
Depois do que eu te disse, sabias que a
aldeia fazia justiça e te matavam por uma coisa de que estavas inocente…Isto
para veres o que custa sermos acusados daquilo que não fazemos.
O que estava a acontecer comigo, a tua
desconfiança só nos prejudicou, acabei por fazer o que não queria: ser-te
infiel.
Agora, depois disto, achas que devemos
desconfiar e difamar pessoas inocentes?
Perdoo-te por tudo o que se passou. Tu
és o homem com quem quero continuar a viver e vou respeitar-te até aos últimos
dias da minha vida. Sem rancores nem desconfianças e seremos felizes para
sempre, até que um de nós parta primeiro.
Maria
Leonilde Costa Sousa, ano 2015
“
É tempo de se perguntar qual das nossas três Vizinhas do Livro mais se aproximou versão
original. Para isso aqui se dá a relação fiel e sem espúrias moralidades do próprio
Boccaccio:
«
[…]
Os vizinhos,
tanto homens como mulheres, começaram todos a repreender Tofano e a culpá-lo, e
a censurá-lç muito pelo que dizia à mulher: em breve tanto se espalhou a
história de vizinho em vizinho, que chegou aos ouvidos dos parentes da mulher.
Estes, chegando ali e ouvindo o caso de uns e outros vizinhos, agarraram Tofano
e deram-lhe tanta pancada que o moeram todo; depois dirigindo-se à casa,
tomaram a as coisas da mulher e com ela voltaram para casa, ameaçando Tofano de
fazerem pior. Tofano, vendo o caso mal parado e que os seus zelos o tinham
deitado a perder, como queria muito à mulher, serviu-se de certos amigos como
medianeiros, e tanto andou que em boa paz tornou a ter a mulher em casa, e lhe
prometeu não tornar a se ciumento; e além disso lhe deu licença de fazer tudo o
que lhe agradasse, mas com tanta arte que ele não se apercebesse de nada.
E assim, como
o vilão tolo, fez as pazes depois do dolo.
E morra o
ciúme, e viva o amor e toda a companhia!»
Diria
o nosso Gil Vicente, pela boca de Pêro Marques, uns bons anos depois de
Boccaccio:
«É
assim que se fazem as coisas!»
As
“tais coisinhas” que Monna Ghita e o seu
jovem amigo fariam ao serão, pelos cálculos da nossa leitora Ilda.