Será que também o nosso
grupo de velhos Vizinhos do Livro está em restauro? Perguntei-me, à saída da
última sessão.
Pois, de uma assentada,
apresentaram-se quatro novos membros: três senhoras e um cavalheiro. Num ápice,
ficaram enturmados. Agora já passamos da dúzia.
Do saco de uma das
senhoras saltou uma primeira história. Atraente texto, sobre o batismo do rio Sorraia.
Às primeiras linhas, já nos sentíamos em
Coruche, à beira do seu espelho de água.
E palavra-puxa-palavra, apresentados,
pela Idalina e Josefa
dois contos da coletânea Felicidade
na Austrália de Liberto Cruz, assumimo-nos
como narradores. Sem meças com o nosso autor.
O “petróleo” jorrando
desairosamente no quintal dos Matias, de
S. Pedro de Penaferrim, serviu-nos de combustível.
Partimos para outros achados.
Quem é que, pela estrada
da vida, não encontrou umas moedas, notas
que fossem? E qual a legitimidade da sua
apropriação? Se fosse um frigorífico, junto ao ecoponto? Eletrodoméstico
ainda por estrear, com selos de garantia... Que diz a lei?
E aquele caso da
cabra? Lá pelas encostas do concelho de
Belmonte, assegura a Graciosa. Dia e noite empoleirada sobre a mesma fraga,
indiferente ao chamado, às ordens e ameaças do pastor. A quem, no desespero de demover
o animal, se fez luz . Só poderia ser um sinal,
tal fixidez caprina. Acertou: um pote de libras ocultado pela pedra, havia mais
de duzentos anos. A quem pertencia de lei, o brilhante conteúdo? Ficou o pastor
meses a aguardar que o padre fosse à vila, consultar advogado ou tabelião. Nos entretantos, sonhava
o sortudo com a maquia que lhe havia de
calhar, se a justiça fosse amiga dos pobres. Fora disso, contava os amigos recentes e espantava-se com as súbitas
obras de renovo na sacristia.
***
E quanto ao acontecido na
moradia do Algueirão? Episódio recente, aqui perto de nós.
Vendida, para restauro, a
um jovem casal que ali meteu sonhos,
cuidados e poupanças. Sem-fim de projetos,
licenças, ruídos, poeira…Voragem de dinheiro, para o resto dos seus dias.
Meses frenéticos, à
espera que o empreiteiro desse os trabalhos por concluídos.
Para, em véspera da mudança
dos primeiros móveis, acontecer aquele dispensável telefonema.
Da representante dos
antigos proprietários, de cabeça perdida, reclamando esclarecimentos. Que mexidas se tinham feito na velha casa? Quem
acompanhou o pessoal durante as intervenções?
Cruzavam-se sombras do
passado. Herdeiros reclamavam fortuna
posta a salvo naquela casa. Trazida de África
e ali soterrada por uma família de retirantes, na onda da descolonização, que,
pouco permanecendo no Algueirão, se encaminhou para negócios no Brasil.
Tinha de se proceder a
uma imprescindível pesquisa, ainda que para tanto dela se encarregasse a polícia.
Estavam em causa - Ai! Ai! – peças de ouro, marfim e - Upa! Upa! – pedrarias.
Para já não falar das porcelanas antigas
Pesado espólio,
inventariado em documento, datado de
1980, assinado por marido e mulher, falecidos no Rio de Janeiro, há mais de uma
década.
Mas em que ponto da casa?
Do mal o menos, sossegue-se
quem lê. Visando a segurança do tesouro, tinham eles mandado abrir no subsolo da despensa, com prolongamento para
a cozinha, uma cave, a precato de curiosos
e da humidade. Servida por uma escada vertical, em ferro. Todo o espaço,
coberto com tampa de aço. Repavimentado a mosaico.
Outono de 1975. E desde
aí o que se passou na casa do Algueirão, deixada tantos anos em ruínas?
Respiraram fundo, os
atuais proprietários. Do mal o menos. Assim como assim era uma oportunidade. Como
o dinheiro para as obras não abundava e o chão da despensa tivesse afinal um
aspeto novo, ainda que pouco ao seu gosto, tinham-se limitado a disfarçá-lo com um
forro de linóleo.
Outra vez os pedreiros. Agora
as despesas correndo por conta dos herdeiros.
Esvaziado o cofre-forte, ficou espaço,
acessível e amplo, para uma criteriosa
garrafeira.
Alzira, Amena, Conceição, Elvira, Graciosa, Idalina, Ilda, Joaquina, Joaquim Beja, Joaquim Monteiro da Silva, Josefa, Mariana, Maria José.