Decidiram os Vizinhos do Livro, enfrentando a não
distante finitude da vida, escrever e descobrir outras escritas sobre a
velhice. Naturalmente que Joaquina, Ilda, Idalina e Graciosa antes de conhecer
os autores trazidos à leitura, avançaram com as suas razões.
O ponto de partida foi
a obra Da velhice, de Cícero. Do
discurso ficcionado de Catão tomámos o seguinte excerto: «5.15 Com toda a franqueza, quando reflito sobre este problema,
distingo quatro causas devido às quais possa a velhice parecer infeliz: uma,
porque aparta da administração dos negócios; outra, porque debilita o corpo; a
terceira, porque impede o desfrutar de quase todos os prazeres: a quarta,
porque está próxima da morte. Vejamos então, se vos apraz, qual a importância e
legitimidade de cada uma delas.»
Foi quanto bastou para
a composição dos textos que se seguem:
- Envelhecer
Desde
o dia em que nascemos, envelhecemos progressivamente, porque, quer queiramos
quer não, a ela [a velhice] chegaremos naturalmente.
Não
se pode dar a vida por encerrada, ao atingirmos uma certa idade, é preciso
continuar aprendendo.
Histórias
que se pretendam escrever, quadros que se desejam pintar, uma sonhada viagem…e
ver os netos crescer. Enfim, algo que confirme o interesse pela vida.
A
verdadeira velhice está na escolha de cada pessoa, esquecendo-se de que o seu
espírito pode continuar jovem, apesar do corpo ter envelhecido.
Joaquina Faia
2. Envelhecer não é fácil
Todos
nós sabemos que envelhecer não é fácil, mas, bem ou mal, todos nós vamos
caminhando nesse sentido.
Podemos
envelhecer de aspeto, com rugas, já não temos aquela beleza física, temos um
certo desgaste dos ossos, mas o nosso espírito pode manter-se jovem, enquanto
nos mantivermos vivos.
A
velhice não tem que ter padrão predefinido. Vendo bem as coisas, um jovem de
trinta anos comparado com uma criança é um velho; e comparado a alguém da casa
dos sessenta, é uma criança. Assim sendo, não há padrões corretos do que é ser
velho.
A
verdadeira velhice está no espírito das pessoas que simplesmente se entregam à
passagem do tempo, esquecendo-se de que o seu espírito pode permanecer jovem,
apesar do corpo envelhecido. Não podemos nem devemos perder a nossa
jovialidade, porque a idade não nos impede de sonhar, de querermos aprender
algo mais , termos uma vida ativa, praticar desporto, atividades intelectuais e
curtirmos o tempo que ainda temos de vida.
A
velhice é sinónimo de sabedoria e respeito, embora muitos pensem que é sinónimo
de doença, fraqueza e inutilidade.
Infelizmente,
Não podemos deter a passagem do tempo, mas isso não justifica uma eventual
perda de alegria de viver.
Por
isso, a velhice pode ser boa e alegre, apenas devemos ter cuidado com a nossa
saúde, que é fundamental para a jovialidade do espírito.
Rio de Mouro, 28 de
fevereiro de 2014
Ilda Guimarães
3. Velhice
A
palavra velhice não me assusta e ser velha também não.
Ainda
não me considero velha com os meus 66 anos, os meus cabelos brancos e as minhas
rugas. Tudo faz parte da vida. Tenho uns filhos lindos e netos maravilhosos.
Fiz algumas viagens e sinto que ainda tenho muito para dar! Tenha eu saúde. E é
a falta dela que me assusta; se um dia a não tiver, aí sim, tenho medo: medo de
não conseguir tratar de mim. De que em algum lar ou instituição, onde eu for
acabar os meus dias, não encontre alguém caridoso para me dar um pouco e
carinho, para acabar os meus dias com um pouco de conforto e dignidade. É dessa
velhice que eu tenho medo.
Idalina Gonçalves
4. Dia dos meus 80 anos…
Vai
caminhando lentamente
Essa
octogenária ainda feliz
Luta
com o chão, com o tempo
Há
no olhar saudades longínquas
Insiste
em não se derrubar
Curvada,
procura ultrapassar
Esse
fantasma que se avizinha
Graciosa
Fruídas as mensagens das
nossas vizinhas, prendemo-nos aos propósitos de Catão-o-Velho, entre os quais assinalamos:
- “A
velhice afasta-nos dos negócios”. De quais? Talvez daqueles que são
realizados com o vigor da juventude? Não existirão, por conseguinte,
ocupações para os velhos que, mesmo enfermos de corpo, possam por ventura
realizá-las espiritualmente?[i]
- “Haveremos,
nós, de permitir que à velhice faltem as forças para poder ensinar,
instruir e preparar os jovens para toda a espécie de ocupações e
desempenhos? Que serviço mais nobre poderá existir?”[ii]
- “Segue-se
a terceira acusação feita a velhice: o facto de ela, segundo dizem, estar
privada de prazeres. Oh! O belo presente da idade, se ela nos livra na
verdade do pior erro da juventude!...
…se
a razão e a sabedoria não nos permitem afastar o prazer, é necessário, então,
que estejamos imensamente agradecidos à velhice por eliminar aquela ânsia de fazer
o que não deveria ser feito
….Naquilo
que me diz respeito, e devido ao meu amor pela conversação, aprecio os
“banquetes ao entardecer”, não apenas com os da minha idade, poucos dos quais
ainda estão vivos, mas também com os da vossa idade” [Catão refere-se aos seus
interlocutores: Cipião e Lélio].[iii]
- “Resta-nos
a quarta razão; parece esta ter sido especialmente premeditada para tornar
a nossa vida ansiosa e cheia de preocupação: a aproximação da morte, a
qual não está certamente longe da velhice. Infeliz aquele que, numa
existência tão longa não terá chegado á conclusão de que se deve desprezar
a morte!”[iv]
O
pequeno livro de Cícero pode ficar por aí, ao alcance de quem souber colher dos
seus ensinamentos
Entretanto,
foi casual e oportuno passar das austeras reflexões do escritor romano para a poesia
do nosso transmontano A. M. Pires Cabral: gaveta
do fundo. Lembras-te, António, do teu fantástico Alascocairo, de há cinquenta anos atrás? Assustavam-se (fingiam
que!) as raparigas da faculdade com tão medonha criatura; e tu, o criador,
sorrias humilde. Não sei por que motivo, passados tantos dos teus livros, te vejo,
hoje, com esse mesmo ar hílare, neste irónico e dorido adeus às pedras, matos,
bichos e velhos da Terra Quente:
“Só já escombros.
Só já um espelho que se estilhaçou
e que, quando tento recompô-lo,
me faz rasgões na alma.”
Deixa-me
apreciar com os meus parceiros de Rio de Mouro, por exemplo:
“Caminho de pé-posto
Sou como este caminho de pé-posto.
Por mim passam caravanas de
mendigos,
Rolam enxurradas.
Nas bermas, nas fundas furnas
Das minhas bermas, nidificam
Animais daninhos e se multiplicam.
Estou muito diminuído das contínuas
erosões.
Mas, íngreme embora e pedregoso
e ocultado por tufos de ervas intrusas,
sou um caminho e levo a algum lugar.”[v]
Pois fique claro, amigos que a velhice, mais trapo menos trapo, não é um carnavalesco "rabo-leva", para chacota de governantes impiedosos.
BOAS LEITURAS!
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