Sim, sim, também ouvimos dizer
que morreu há pouco, e foi prémio Nobel. Só por ter escrito sobre gatos? Claro!
Também escreveu sobre outros assuntos.
Depois de lermos um capítulo de Gatos e mais gatos (Cotovia), passámos
às histórias dos nossos bichanos. Aqui seguem algumas. Outras virão.
1.
PARECIAM DOIS REBUÇADOS
A do rapazinho, quatro cinco
anos, solitário descobridor de um ninho da gata Pirreta, a um canto da capoeira, na quintarola da avó. Três
recém-nascidos, olhos fechados, num débil queixume por falta da teta materna.
Repara nas cores. Dois pretos –
por onde andaria o gatarrão preto lá de casa? Esconderam-lhe que morrera de
velho –, outro malhado: branco e castanho.
Tem uma ideia: levar consigo os
pretos. De modo a que a mãe só se aperceba quando chegarem a casa. Assim, ela
não recusará. Levá-los como?
Nisto, chamam-no da rua. Responde
que estava a ver as galinhas e os coelhos; nada sobre os gatos. Insistem. Corre
ao chamado.
- Temos de ir para nossa casa -
diz-lhe a mãe.
Reentra na capoeira, buscar os
embrulhos. Logo sai, num berreiro:
- Matei os gatinhos!
- Quais gatinhos?! –
Perguntam-lhe.
2.TARDIO SONETO
Empurrava a bengala, emaranhada
em sacos, onde tudo – chaves, dinheiro, documentos, papelada - se extraviava,
menos os dois álbuns. Um, referente aos seus gatos; o outro, a Sua Santidade
João Paulo II.
No dos gatos, figuravam registos
biográficos, cadastros comportamentais, anotações sobre macacoas, sestros,
prémios e castigos. Fotografias. Também poemas, devidamente datados e
endereçados. No do Papa, arquivavam-se recortes de imprensa, desde a subida do
fumo branco até ao óbito do pontífice, incluindo os primeiros rumores de
milagres. D. Irina não perdia o jornal diário.
Um dia, D. Irina desabafou com
uma amiga:
- Já me falta a paciência para as
madurezas da Gaitinha, se ma quisesse
levar para a sua terra…
Metida numa alcofa, com abono de
comida, foi-se a repudiada, na mala de um carro, até uma aldeia do concelho de
Vila Real. Deus te leve!
Nada que não se esperasse; sempre
o pelo da Gaitinha lhe puxara para o
pecado. Deus Nosso Senhor lhe perdoe. E contudo, tanto mais que o bom aspeto da
gata merecia elogios dos mensageiros, D. Irina sentiu-se fraquejar.
- Está dada, está dada. Seja
feliz à sua maneira…Mas não gostava de morrer, sem lhe fazer umas festinhas.
Viajando primeiro de comboio até
Braga, no dia seguinte, sacolejou-se D. Irina, num autocarro para Vila Real.
Entre horários de enlace, alcançou, numa corrida de táxi, a aldeia da Gaitinha
Deus seja louvado. Agora sim, num
pulo, a gata veio aninhar-se no peito da dona. Linda, tão fofa e carinhosa.
Brevíssimo, porém, o encontro.
Sempre escasso o tempo do amor. Que o autocarro não esperava.
Acreditem ou não, na véspera de
chegar a carta, o diabrete da gata, fisgada numas guelras, foi atropelada pelo
carro do peixeiro.
3. NÃO ARDEU A CASA
Vamos agora para o distrito de Portalegre.
Havermo-nos com um tal maltês, gato de ninguém, um diabo. Fica o aviso.
Não tinha eletricidade. Ao
pôr-do-sol, minha mãe nunca se esquecia, por muito que a escada lhe custasse,
de ir acender o candeeiro a petróleo do primeiro andar. Companhia, sinal de
vida, talvez evitasse assaltos.
“Olá, ratos. Se tivesse cá um
gato, isto não acontecia.”
Nova inquietação: não se lembrava de ter ido
acender o candeeiro. Que cabeça a sua…
Um gato!? Um gato assanhado em
casa?
Raivoso: miava, rosnava, rugia.
Sem ter por onde se escapar, uma
fera no fojo.
Vidros partidos, um peso
rebolando pela escada. O candeeiro! Fogo!
Coragem não faltava á minha mãe, morrer
por correr…
Apressa-se, para a porta da rua.
Terá tempo de gritar por socorro?
Não chegou a tanto. Mal abriu uma
nesga da porta, escapou-se o gato. Deixando-lhe, num braço, um profundo
arranhão. Malvado!
4 A GRANEL –
GATOS E NÃO SÓ
A PELE DOS BICHOS
Se todos fossem como a D. Irina,
não viria mal ao mundo.
Mas quem pode tolerar que se
esfole um animal vivo, para se obter uma pele brilhante, de modo a valer mais
dinheiro no mercado?
Deu num programa de televisão,
sobre a indústria de peles. Salvo erro, na Rússia.
Salvo daquele martírio, o texugo
deambulou, ainda alguns anos, pelas redondezas, e sabe-se que sobreviveu a um
dos seus verdugos.
Vi uma vez uma mulher a puxar as
patas de um cão, pendurado no ramo de uma figueira.
Encarregada pelo marido, a mulher
enforcava o animal. Com um arame. Todavia a execução demorava, porque o fio era
pouco corrediço.
Fora um excelente cão de caça;
envelhecido, pouco rendia para o muito que comia. Na opinião do homem da casa.
Olhem que nem toda a gente trata
os animais de companhia com tanta malvadez. Conheço uma família de Pernes que
adorava a sua cadelinha. Quando esta se finou, prestaram-lhe uma bonita
homenagem. Mandando construir, no jardim da casa, um monumento funerário.
DINHEIRO PARA UM CACHENÉ
Outra da minha meninice. Esta passou-se, também, com a mãe
da menina tardia no andar!
Dizia o povo que trazia azar, quando um gato lambia o leite
bolçado por uma criança de peito. Secava o seio da mãe, não resistiria a
criança. Era um medo daqueles tempos.
Só o abate do animal podia evitar
tais infortúnios.
Por causa destas crenças, fui
encarregada por aquela senhora de ir atirar com um gato, metido num saco de
linhagem, para a fossa da casa.
- E o bicho morreu?
- Se morreu? Olha qu’ essa,
morreu e morreu mal, coitado.
Deste modo ganhei o meu primeiro
salário. Cinquenta escudos, pois era dinheiro. Com isso comprou-me, então, a
minha mãe um cachené – é assim que se diz ou não? Um bonito lenço branco com
bordados; por quarenta e sete mil e quinhentos. Ou seja: sobraram vinte e cinco
tostões; deram para comprar uma caixa de lápis de cor. Um luxo.
4.4
Saía ele de casa, logo eu, seguindo-o de longe, via onde deixava a carga…Ah pois claro, desatava o saco.
Mesmo com a ameaça do meu pai:
«Se eu sei quem foi soltar os gatos, leva cá uma malha!»
5 REGRESSOS
Lembram-se de quando estive umas semanas no lar? Pois voltei, e espero andar por aqui muito tempo. Também gosto muito de vocês, tenham a certeza. Ah, a minha gata…
Companheira, desde 24 de abril de 1999, nunca conheceu outra casa.
Voltei, felizmente. Fez-me uma
festa. Ficámos comovidos, a minha filha e eu.
«Anda cá, Nina!
Entretanto, não percebi o que
sucedeu. Se, antes, a gata vinha deitar-se aos pés da minha cama, tal como
continuou a fazer durante a minha ausência, naquela noite não parecia a mesma.
Onde se teria metido o animal?
No dia seguinte, nenhuns sinais; cheguei a pensar que desaparecera de vez. Por eu ter voltado? Passei ali um mau bocado. Então?
A minha filha tranquilizava-me: a
Nina estava demasiado agarrada à nossa casa, não iria fugir. Tínhamos de saber
esperar.
Trouxe-a a fome, dois dias passados.
Termino com a pergunta: por que
razão o animal me recebeu com tanta satisfação, se me virou logo as costas por
dois dias?
Encontro de palavras, com Armando, Idalina, Joaquina, Conceição, Josefa e JB