Por que nos rimos?
Com esta crise, nem me ocorre resposta para tal. Então, por que nos rimos? De que nos rimos? Quase sempre da desgraça alheia. Ainda ontem, do velhinho da minha escada caído em frente do talho. Com as calças molhadas. A pedir que lhe fossem chamar a namorada – vejam só, a namorada! - que viria por certo levá-lo para casa.. Coitado, sempre todo mijadinho, sem ninguém, vive na maior das solidões. De que nos rimos? Eu sei lá!
Pensando melhor… Donde é que me chega agora esta, passada com a minha avó? Vem lá dos verdes do meu Gerês, só podia ser, e tem uns setenta…upa, mais de setenta e cinco, que eu ainda nem ia à escola.
À janela.
Eu à janela, num Outubro frescote, e a minha avó, em baixo, azougada, a despejar abadas de espigas de milho no lajedo do pátio. Era preciso que o grão apanhasse sol para não apodrecer no espigueiro. Esvaziava o avental e logo se ia a buscar mais.
- Avó, avó, quer ajuda?
- Quero que me desampares a loja, menina. Fica aí, estás aí muito bem.
- Mas, avó, eu posso ajudá-la, mesmo daqui da janela. Depois paga-me.
- Pago-te o quê?
- Não é com dinheiro, avó!
Assim que acabasse de espalhar o milho, subisse as escadas para me fazer as tranças e chamar a sua lindinha. Era um mimo.
Trato fechado.
Não parava de trazer abadas de milho, de dispor as espigas, sempre às arrecuas, desde a casa até à levada.
Sem que a minha assistência faltasse:
- Pode deitar mais, mais, pode recuar, avó. Não precisa de olhar para trás.
Pelos vistos a minha avó aceitava a guia, e até trabalhava mais depressa.
- Recue avó. Vá, recue.
Enfim, chegava com a última abada:
- Recue, avó, recue…
O resto já se está a adivinhar: tinha-me esquecido da levada ao fundo do pátio. Pobre avó! Faltou-lhe o chão…
Vejo-a de costas, a esbracejar na água:
- Diabos te levem, rapariga!
Que Deus lhe perdoasse o praguedo.
Gritei por socorro, corri aflita a dar-lhe a mão. Ai a minha avó!
Mas ao chegar à sua beira, por vê-la erguer-se – parecia uma sopa – deu-me um ataque de riso que me remordeu pela vida fora.
- Pára de te rir, desmiolada.
Pior do que aquele banho, foi ter continuado a trabalhar sem mudar de roupa. Só durou mais umas semanas.
Agora digam lá vocês o que vos faz rir.
Histórias ouvidas à D. Amena. Registo de Joaquim Beja
Rio de Mouro, Julho 2012